segunda-feira, 13 de junho de 2011

RCC

Achei interessante a reflexão e concordo muito com tudo isso que segue:

Eu e a Renovação
por ocampones
Como o profeta Jonas, a quem Deus ordenara que fosse para Nínive, sinto em mim mesmo um desejo incontrolável de partir na direção contrária. Deus mostrou-me um caminho, e todos os meus “ideais” mostraram-me outro. Foi no momento em que viajava, tão rapidamente quanto podia, na direção de Társis, a fim de afastar-se de Nínive, que Jonas foi lançado à água e engolido por uma baleia que o levou para o ponto que Deus lhe havia assinalado. (…)
O signo que Jesus prometeu à geração que não o compreendera foi o “signo de Jonas, o profeta” – isto é, o signo de sua própria ressurreição. A vida de todo monge, de todo sacerdote, de todo cristão, é marcada pelo signo de Jonas porque todos vivemos pelo poder da Ressurreição de Cristo. Sinto, porém, que minha vida está especialmente marcada por esse signo, que o batismo e a profissão monástica marcaram a fogo nas próprias raízes do meu ser, porque, como o próprio Jonas, me vejo viajando para meu destino no ventre de um paradoxo. (Thomas Merton, “O Signo de Jonas”)
Devo confessar que venho, já há algum tempo, sentindo-me insatisfeito com a espiritualidade e com a formação na RCC. A RCC vêm realmente se focando demasiadamente nos grupos de oração, nos carismas extraordinários, na evangelização querigmática, o que, de modo algum é mal, mas creio que se deveria aprofundar a tradição espiritual e mística da Igreja, incentivar os seus membros a se formarem, a estudarem, a mergulharem na Teologia, na Filosofia e redescobrirem os Padres, a Escolástica, etc.

A RCC é bem aplicada nas Sagradas Escrituras, mas é falha no estudo da Tradição e do Magistério. Isso a aproxima perigosamente do protestantismo:“Sola Scriptura!” Já ouvi, no âmbito carismático, interpretações da Sagrada Escritura totalmente alheias ao magistério católico. Coisas que beiram à livre interpretação. Grave. Mas, embora reconheça a influência protestante, posso garantir que a RCC é autenticamente católica. A RCC nasceu no contexto do Concílio Vaticano II, e isso já foi admitido inclusive pelo então cardeal Joseph Ratzinger, em seu livro-entrevista “O Sal da Terra” e no primeiro documento de Malines, para o qual foi consultor teológico. Além disso, o Cardeal Ratiznger também escreveu a apresentação à Edição italiana do 4º documento de Malines.

Relembro as origens católicas do movimento carismático com a Irmã Elena Guerra escrevendo (com grande ousadia!) ao Papa Leão XVIII várias cartas implorando para a Igreja uma renovação da devoção ao Espírito Santo; o Papa instaura a primeira novena “oficial” da Igreja, a Novena de Pentecostes, e se dedica a escrever sobre o Espírito Santo (inclusive uma encíclica, a “Divinum Illud Munus”) e consagra , no primeiro dia do século XX, este ao Espírito Santo. Neste mesmo dia, curiosamente, acontece o primeiro “batismo no Espírito Santo” e manifestação carismática do dom das línguas numa jovem protestante. Coincidência?

Para não pormenorizar, o Papa João XXIII, beatifica Elena Guerra (a primeira de seu pontificado) e logo no discurso da beatificação cunha a expressão “novo Pentecostes” e acaba convocando um concílio pedindo os ventos de um “Novo Pentecostes” (de novo!) para toda a Igreja. Logo após o fim do Concílio, surge a Renovação. E o resto é História.

Alguns pentecostais norte-americanos, vide o pastor Jackie Hayford, em seu livro “The Charismatic Century”, reconhecem que as origens do Pentecostalismo moderno se encontram em Elena Guerra e na Igreja Católica.

Apesar da influência protestante, especialmente em seus inícios, a RCC é essencialmente católica. Seus membros comungam, rezam o terço, fazem adoração eucarística, confessam-se com freqüência, reverenciam o Santo Padre, veneram os santos, enfim, são católicos.

O que penso é que a chegou a hora de a Renovação parar de olhar para si mesma, tornar a sua formação menos auto-referente (batismo no Espírito, histórico da RCC, carismas) e olhar para a Igreja. Repito: aprofundar-se na Tradição e no Magistério, estudar a História da Igreja, a mística católica, os Santos Padres, a Escolástica, descobrir os riquezas da cultura católica. A Renovação precisa se descobrir menos carismática e mais católica. O Santo Padre, numa recente catequese sobre São Boaventura, relembrou a necessidade de novos carismas, novos movimentos e novas comunidades , de acordo com a abertura dada pelo Concílio, mas que essas correntes de graça sejam canalizadas dentro de uma estrutura católica e respeitando a Tradição. Ou seja é a” hermenêutica da continuidade”, tão defendida pelo Santo Padre. A Renovação é “mais do mesmo”, por isso é católica! Ele vem trazer à tona a “beleza tão antiga e sempre nova” (Sto. Agostinho) da Igreja.

É interessante perceber que, muitos membros da RCC, especialmente jovens, buscando o aprofundamento que muitas vezes não encontram no movimento, tornam-se “tradicionalistas” ou vão beber na escola do Opus Dei (movimento muito aprecidado por mim). Lembro-me que, recentemente, um autor filo-tradicionalista escreveu um livro sobre – contra – o “dom de línguas”. Livro, aliás, muito bem escrito e fundamentado. Escrevi a várias lideranças da RCC, falando sobre o livro, pedindo que fosse estudado, pedindo que pudéssemos aprofundar o estudo dos carismas, de acordo com a tradição católica, não para dar resposta ao autor do livro, mas para que também pudéssemos ter uma fundamentação católica para a nossa experiência carismática. A repercussão do livro foi minimizada, ninguém estudou nada sobre o assunto e, só aqui em nosso vicariato (vicariato norte da diocese de Nova Friburgo), conheço dois casos de pessoas que entraram em crise com a Renovação por causa do livro. Assim vão os tradicionalistas e seus simpatizantes arrebanhando gente de dentro da Renovação por falta de formação.

Graças a Deus temos, na RCC, gente que luta por uma formação católica profunda dentro do movimento, como Padre Paulo Ricardo (que não é membro da Renovação), Professor Felipe Aquino e outros. No âmbito internacional, cito Fr. Raniero Cantalamessa e Fr. Daniel-Ange, que vêm lutando há anos para dar esse aprofundamento católico à RCC.

Eu enxergo, hoje, na RCC dois veios. Um mais americano, que é o protestantizado, que têm ênfase nos grupos de oração, carismas, evangelização querigmática, missas “animadas”, músicas sentimentais, dons extraordinários do Espírito Santo, que, infelizmente, para mim, é o modelo que mais se difundiu no Brasil, com raras exceções de algumas Novas Comunidades como a Shalom. O outro veio, europeu, é o mais católico, que é o modelo costumeiramente adotado pelas novas comunidades (Beatitudes, Emmanuel, Pain de Vie, Jeunesse-Lumiere, ect), que apela para uma volta às tradições, especialmente à patrística. E é interessantíssimo notar que a Igreja, na figura dos Pontíficies, tem olhado para o lado mais católico da RCC, não dando ênfase ao extraordinário, ao “otimismo carismático” (como diz o blogueiro Jorge Ferraz), mas à oração comunitária (João Paulo II sugeriu a Liturgia das Horas), à freqüência aos sacramentos, à consciência da vocação batismal, à devoção ao Espírito Santo, à Leccio, enfim, tudo o que conduz a um catolicismo ortodoxo e sadio. Estas características, onde a Igreja tem posto os olhos e incentivado o movimento, são a grande contribuição que a Renovação Carismática tem a oferecer ao mundo moderno.

Em recente carta ao Cardeal Cordes (que por ser do Pontifício Conselho para os Leigos, acompanhou a RCC por longos anos) por ocasião de seu 75º aniversário, o PapaBento XVI se expressou assim:
“Enquanto que os organizadores e os planificadores na Igreja tinham inicialmente muitas reservas em relação aos movimentos, logo soubeste acolher a vida que lá brotava – a força do Espírito Santo que dá novos caminhos e que de modo imprevisível sempre rejuvenesce a Igreja.
Reconheceste o caráter pentecostal desses movimentos e Te esforçaste com ardor para obter que fossem acolhidos pelos pastores da Igreja. Claro, no que se tratava da organização e da planificação, tinha-se com frequência muitas boas razões para escandalizar-se, porque brotavam coisas novas e imprevistas que nem sempre se deixavam levar sem dificuldades às formas organizativas existentes.
Percebeste que o que é orgânico é mais importante do que é organizado, viste que homens eram profundamente tocados pelo Espírito de Deus e que de tal modo cresciam formas novas de autêntica vida cristã e novos modos autênticos de ser Igreja. Claro, esses movimentos devem ser ordenados e reconduzidos ao interior da totalidade; devem aprender a reconhecer seus limites e a se tornarem parte da realidade comunitária da Igreja na sua constituição própria, junto com o Papa e com os Bispos. Precisam, portanto, de guia e também de purificação para poderem atingir a forma da verdadeira maturidade.
Todavia, os mesmos são dons dos quais precisa-se ser gratos. Não é mais possível pensar na vida da Igreja de nosso tempo sem nela integrar esses dons de Deus.”
A Renovação é de Deus. Não tenho nenhuma dúvida disso. Existe na Renovação Carismática uma corrente de graças que não se pode negar. Tenho divergencias com a parte “institucional” da RCC do Brasil. Mas não posso negar que a Renovação seja uma escola de vida batismal e que no ambiente carismático sinto-me em casa. Passei por uma fase de dúvidas e contestação, mas creio que minha vocação passa inevitavelmente pela experiência carismática. É maior do que eu. É uma vocação. Não fui eu quem escolhi, mas o proprio Senhor quem escolheu essa via para mim. É o signo de Jonas. Como Merton: “Viajo para meu destino no ventre de um paradoxo”.

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