sexta-feira, 25 de março de 2011

Dia da Anunciação

Ave, do mar Estrela, bendita Mãe de Deus,
fecunda e sempre Virgem, portal feliz dos céus.
Ouvindo aquele Ave do anjo Gabriel,
mudando de Eva o nome, trazei-nos paz do céu.

Não temas, ó Maria, por Deus agraciada; 
haverás de conceber um Menino e o dar à luz; 
seu nome há de ser: o Filho do Altíssimo.
Neste dia, a Igreja festeja solenemente o anúncio da Encarnação do Filho de Deus. O tema central desta grande festa é o Verbo Divino que assume nossa natureza humana, sujeitando-se ao tempo e espaço. 

Hoje é o dia em que a eternidade entra no tempo ou, como afirmou o Papa São Leão Magno: "A humildade foi assumida pela majestade; a fraqueza, pela força; a mortalidade, pela eternidade."

Com alegria contemplamos o mistério do Deus Todo-Poderoso, que na origem do mundo cria todas as coisas com sua Palavra, porém, desta vez escolhe depender da Palavra de um frágil ser humano, a Virgem Maria, para poder realizar a Encarnação do Filho Redentor:

"No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem e disse-lhe: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.’ Não temas , Maria, conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem?’ Respondeu-lhe o anjo:’ O Espírito Santo descerá sobre ti. Então disse Maria: ‘Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tu palavra’" (cf. Lc 1,26-38).


Sendo assim, hoje é o dia de proclamarmos: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1,14a). E fazermos memória do início oficial da Redenção de TODOS, devido à plenitude dos tempos. É o momento histórico, em que o SIM do Filho ao Pai precedeu o da Mãe: "Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade" (Hb 10,7). Mas não suprimiu o necessário SIM humano da Virgem Santíssima.

Cumprindo desta maneira a profecia de Isaías: "Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco" (Is 7,14). Por isso rezemos com toda a Igreja:

"Ó Deus, quisestes que vosso Verbo se fizesse homem no seio da Virgem Maria; dai-nos participar da divindade do nosso Redentor, que proclamamos verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Por nosso Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo".
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“Akáthistos” é uma palavra grega que significa “não sentado”, de pé. Esse hino do século VI é cantado sempre de pé. O hino Akáthistos canta o mistério da encarnação salvífica do Verbo de Deus, descreve a maternidade de Maria e canta seu papel no mistério de Cristo e da Igreja. O Papa João Paulo II o denominou “um esplêndido hino”. Os estudiosos da Mariologia dizem que é o mais belo hino dedicado a Nossa Senhora.

No século VI, no Oriente, começou a ser cantado o hino Akáthistos – palavra grega que significa não sentado, de pé. Trata-se do mais célebre hino mariano, a mais bela composição mariana do rito bizantino, “um esplêndido hino” (João Paulo II, 25.3.88).


Akáthistos canta o mistério da encarnação salvífica do Verbo de Deus, descreve a maternidade de Maria e canta seu papel no mistério de Cristo e da Igreja. Não é possível precisar o autor desse hino. Certamente trata-se de um grande poeta, um eminente teólogo, um profundo contemplativo. O autor teve o mérito de traduzir, numa oração, a síntese da fé que a Igreja dos primeiros séculos professava a Maria. Tudo indica que esse hino, cujo original é em grego, tenha sido composto entre a segunda metade do século V e os primeiros anos do século VI, em Constantinopla.


“Queremos que este cântico universal, este poderoso e dulcíssimo hino seja a profecia de uma humanidade nova, a dos redimidos que no cântico de louvor se reconhecem irmãos. E enquanto a experiência cotidiana nos põe diante das múltiplas formas de mal, que derivam da pobreza do nosso limite, a renovada contemplação da comum salvação no Verbo, encarnado no seio da Virgem, é anúncio constante de uma nova fraternidade naquele único Senhor, irmão e mestre, carne da nossa carne, no qual a criação vence toda a opacidade e se faz transparência do Invisível. [...] A história da Virgem é a história dos redimidos, a história de toda a criatura” (João Paulo II, 25.3.1988).


Divide-se o Akáthistos em duas partes: A primeira parte (estâncias de 1 a 12), seguindo o Evangelho da infância (Lc 1-2; Mt 1-2), propõe e comenta a teofania, isto é, o aparecimento e a primeira revelação histórica de Deus na carne humana assumida, com os efeitos salvíficos que daí derivam. As primeiras seis (de 1 a 6) estâncias do hino, de conotação cristológica, encenam e cantam a descida do Verbo e sua manifestação às primeiras testemunhas: a Virgem-Mãe, João Batista, Isabel e José. As outras seis estâncias (de 6 a 12), de conotação eclesial, mostram a epifania de Deus no mundo, portadora de luz e graça para todos: os protagonistas e beneficiários os pastores, os magos, os redimidos da escravidão dos ídolos e o justo Simeão, modelo da espera de Israel.

A segunda parte do hino (estâncias de 13 a 24) propõe a teologia da Igreja antiga, isto é, a profissão dos dogmas de fé relacionados a Maria: as primeiras seis estâncias (de 13 a 18) a contemplam imersa no mistério de Cristo, enquanto as últimas seis (de 19 a 24) a cantam presente no mistério da Igreja em curso.

1. Deus envia o anjo para fazer a saudação; o mistério se realiza em Maria; explode a alegria, cessa a condenação, renova-se a criação.

2. A estupefação de Maria: a criatura encontra-se diante da misteriosa iniciativa de Deus.

3. Diante do evento misterioso surge espontaneamente a pergunta: “como?”. Respondendo-lhe o anjo lhe revela que somente ela‚ tão profundamente iniciada na experiência do divino a ponto de tornar-se guia para a ascensão do homem.

4. Descendo, o Espírito Santo cobre a Virgem, tornando seu ventre em terra-virgem fecunda de graças.

5. A visitação: à saudação de Maria, o mistério se revela a João e o toca em seu íntimo; floresce o perdão, a misericórdia se difunde; Maria é a sua mediadora e o seu altar.

6. O mistério é revelado a José, a “testemunha” virginal.

7. A adoração dos pastores: prefiguração dos apóstolos, dos pastores e dos mártires, que ao longo dos tempos anunciam e confessam Cristo, nascido da Virgem, que assim como vestiu de carne o Senhor, reveste de glória os fiéis.

8. A chegada dos magos: ao anúncio de fé pregado pelos pastores, o homem que o acolhe encaminha-se em busca de Deus. Inicia-se o itinerário catecumenal, que se conclui em Maria, de quem, se fez carne a Palavra do Pai.

9. A adoração dos magos: o caminho catecumenal do homem se conclui com a renúncia a Satanás e aos vícios e com alegre adesão ao único Senhor, de que é artífice e marco a Mãe de Deus.

10. Os magos retornam à sua terra e, na própria vida, o neófito torna-se arauto de Cristo.

11. Como prenunciava Isaías (Is 19,1), Cristo entra no Egito, levado por Maria; Desmoronam os ídolos e atrás dela inicia-se o êxodo no novo povo em direção à terra prometida.

12. O encontro com Simeão; a espera e a sabedoria do homem se iluminam em Cristo.

13. A concepção virginal : com novo prodígio, renasce a vida; a santidade e a obediência virginal da nova Eva se contrapõem à obediência da antiga e a cancelam reconciliando o mundo com Deus.

14. Em Cristo, o homem retorna às origens, no Verbo encarnado se lhe abrem os céus.

15. A maternidade divina como vértice supremo, trono de Deus e único caminho para que o homem perdoado torne-se “deus”.

16. Também para os anjos o mistério do Verbo encarnado é nova luz de conhecimento e de êxtase.

17. O parto virginal, abismo de sabedoria divina: a luz da sabedoria humana rejeita o mistério; a verdadeira sabedoria é a fé dos simples, que encontra em Maria a sua luz.

18. Nós jamais teríamos podido nos aproximar de Deus, se ele não houvesse descido, humilde, entre nós, para nos salvar e atrair-nos suavemente para si.

19. A virgindade perpétua de Maria, início da santa Igreja, sublime modelo para os virgens; Maria, que no seu ventre desposou Deus, ao homem, agora conduz os virgens e os desposa ao Verbo de Deus.

20. o primeiro dever dos virgens é o culto a Deus; por mais que prolongue suas louvações, o homem nunca chega a celebrar dignamente os benefícios divinos.

21. A maternidade espiritual de Maria, a “Mãe da Igreja” , da mesma forma que gerou a Cabeça segundo a carne, não cessa de nela regenerar os seus membros, com os sacramentos que infundem a luz e a vida, tendo brotado do seu seio e do seu coração.

22. A nossa regeneração nasce do mistério pascal, que tem suas raízes no seio virginal, com efeito, para a nossa salvação, Cristo desceu do céu e se encarnou em Maria Virgem.

23. A mediação celeste: Maria é templo e arca que acompanha e protege a Igreja peregrina na santa conquista da pátria celeste; é refúgio e esperança de cada fiel.

24. A nossa advogada: que a Mãe de Deus nos salve de todo perigo e do último castigo.

A trama do hino gira em torno de três palavras: a saudação do anjo, “AVE”, que desencadeia toda a louvação, e os dois refrões: “AVE, VIRGEM E ESPOSA” e “ALELUIA”.

AVE: o Akáthistos inicia quando o anjo desce do céu, enviado por Deus para dar anúncio de júbilo a Virgem e, por seu intermédio, a toda a terra: O mais excelso dos anjos foi enviado do céu para dizer “ave” à mãe de Deus(o termo grego Kaire = alegra-te = ave). Todo entrelaçamento do hino e o seu cenário estão envolvidos para a alegria do céu. Com efeito, é um evangelho de alegria que, em Maria, se abre para o mundo: o anúncio de que Deus se fez homem!

AVE VIRGEM ESPOSA: desposada com Deus, mas não desposada com homem; uma posse pessoal exclusiva do Pai, Filho e Espírito, mas virgem de toda posse de natureza humana. Assim, o refrão coloca a figura Virgem na própria fronteira entre o criado e o incriado, quase como vértice extremo da ascensão humana, que mergulha no esplendor divino e por ele é inteiramente revestida, sem perder as suas propriedades de criatura.

ALELUIA: o refrão das estâncias pares, glorifica só o Senhor, de quem parte a iniciativa, brota a vida, inicia a história e se difunde a graça e em quem terminam, mergulhados em Cristo, através do Espírito, na contemplação da divindade, o itinerário espiritual de todo homem e o itinerário cósmico.

Na visão teológica do Akáthistos, Maria está presente e ativa em toda a extensão do mistério: onde quer que a humanidade de Cristo seja fonte de vida, ali está Maria, que lhe deu sua carne, ali está inscrita a sua figura virgem e sua ação de Mãe.

Hoje como ontem, a Virgem é presença ativa na Igreja peregrina: sustentáculo para a fé, para os apóstolos, força para os mártires, já que todos, em toda parte, anunciam e testemunham Cristo, que ela nos deu.

O autor do Akáthistos certamente foi um grande poeta, um insigne teólogo, um consumado contemplativo: tão grande que soube traduzir em síntese de oração a fé professada pela Igreja; tão humilde que desapareceu anonimamente. O seu nome é conhecido por Deus e ignorado pelo mundo. E é melhor que assim seja: desse modo, o hino é de todos, porque é da Igreja. Segundo os estudos mais recentes, a data de composição do Akáthistos oscila entre a segunda metade do século V e os primeiros anos do século VI.

Valor Ecumênico 

O Akáthistos é comum aos irmãos ortodoxos e aos católicos de rito bizantino: é uma vetusta e solene ponte no sentido da plena comunhão de fé com as igrejas do Oriente. Mas também para os irmãos evangélicos do ocidente para os quais o culto a Maria ainda constitui pedra de tropeço, ele poderia representar um autêntico valor e uma base de diálogo: por sua antigüidade; pela fórmula laudatória , que, se bem compreendida, redunda em glória do Senhor; pelo substrato cristológico-eclesial; pela doutrina rica e sóbria, isenta de exaltações, que desemboca no próprio mistério da encarnação, isto é, no primeiro artigo de fé cristológica professado por todas as igrejas.




Fontes:

sábado, 19 de março de 2011

São José, o Justo

José, o Justo.
São raros os dados sobre as origens, a infância e a juventude de José, o humilde carpinteiro de Nazaré, pai terrestre e adotivo de Jesus Cristo, e esposo da Virgem de todas as virgens, Maria. Sabemos apenas que era descendente da casa de David. Mas, a parte de sua vida da qual temos todo o conhecimento basta para que sua canonização seja justificada. José é, praticamente, o último elo de ligação entre o Velho e o Novo Testamento, o derradeiro patriarca que recebeu a comunicação de Deus vivo, através do caminho simples dos sonhos. Sobretudo escutou a palavra de Deus vivo. Escutando no silêncio. 



Nas Sagradas Escrituras não há uma palavra sequer pronunciada por José. Mas, sua missão na História da Salvação Humana é das mais importantes: dar um nome a Jesus e fazê-lo descendente de David, necessário para que as profecias se cumprissem. Por isso, na Igreja, José recebeu o título de "homem justo". A palavra "justo" recorda a sua retidão moral, a sua sincera adesão ao exercício da lei e a sua atitude de abertura total à vontade do Pai celestial. Também nos momentos difíceis e às vezes dramáticos, o humilde carpinteiro de Nazaré nunca arrogou para si mesmo o direito de pôr em discussão o projeto de Deus. Esperou a chamada do Senhor e em silêncio respeitou o mistério, deixando-se orientar pelo Altíssimo. 

Quando recebeu a tarefa, cumpriu-a com dócil responsabilidade: escutou solícito o anjo, quando se tratou de tomar como esposa a Virgem de Nazaré, na fuga para o Egito e no regresso para Israel (Mt 1 e 2, 18-25 e13-23). Com poucos mas significativos traços, os evangelistas o descreveram como cuidadoso guardião de Jesus, esposo atento e fiel, que exerceu a autoridade familiar numa constante atitude de serviço. As Sagradas Escrituras nada mais nos dizem sobre ele, mas neste silêncio está encerrado o próprio estilo da sua missão: uma existência vivida no anonimato de todos os dias, mas com uma fé segura na Providência. 

Somente uma fé profunda poderia fazer com que alguém se mostrasse tão disponível à vontade de Deus. José amou, acreditou, confiou em Deus e no Messias, com toda sua esperança. Apesar da grande importância de José na vida de Jesus Cristo não há referências da data de sua morte. Os teólogos acreditam que José tenha morrido três anos antes da crucificação de Jesus, ou seja quanto Ele tinha trinta anos. 

Por isso, hoje é dia de festa para a Fé. O culto a São José começou no Egito, passando mais tarde para o Ocidente, onde hoje alcança grande popularidade. Em 1870, o Papa Pio IX o proclamou São José, padroeiro universal da Igreja e, a partir de então, passou a ser venerado no dia 19 de março. Porém, em 1955, o Papa Pio XII fixou também, o dia primeiro de maio para celebrar São José, o trabalhador. Enquanto, o Papa João XXIII, inseriu o nome de São José no Cânone romano, durante o seu pontificado.





Nos primeiros séculos da Igreja, nas igrejas do Oriente, no dia 19 de Março de cada ano – conforme narra Isidoro de Isolanis, se costumava ler com toda a solenidade, para o povo, uma narração da morte de São José. O bispo dava a bênção, sentava-se, e ordenava a um auxiliar, que se lesse em voz alta:
“Eis chegado para São José o momento de deixar esta vida. O Anjo do Senhor lhe apareceu e anunciou ter chegado a hora de abandonar o mundo e ir repousar com seus Pais. Sabendo estar próximo o seu último dia, quis visitar, pela última vez, o Templo de Jerusalém, e lá pediu ao Senhor que o ajudasse na hora derradeira. Voltou a Nazaré e, sentindo-se mal, recolheu-se ao leito. E dentro em breve o seu estado se agravou. Entre Jesus e Maria, que o assistiam carinhosamente, expirou suavemente, abrasado no Divino Amor. Oh! morte bem-aventurada! Como não havia de ser doce e abrasada no Divino Amor, a morte daquele que expirou nos braços de um Deus e da Mãe de Deus?“Jesus e Maria fecharem os olhos de São José. E como não havia de chorar Aquele mesmo Jesus que choraria sobre a sepultura de Lázaro? Vede como ele o amava!, disseram os judeus. São José não era tão só um amigo, mas um Pai querido e santíssimo para Jesus.”
Gerson acrescenta que Jesus preparou para a sepultura o corpo virginal de seu Pai adotivo, cruzou-lhe as mãos ao peito e o abençoou, para que não se corrompesse no sepulcro.

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Discurso do Papa na conclusão dos Exercícios Espirituais 2011
Queridos Irmãos,
querido Padre Léthel,
Ao final deste caminho de reflexão, de meditação, de oração em companhia dos Santos amigos do Papa João Paulo II, gostaria dizer do fundo do coração: Obrigado a vós, Padre Léthel, pela vossa guia segura, pela riqueza espiritual que nos destes. Os Santos: vós os mostrastes a nós como "estrelas" no firmamento da História e, com o vosso entusiasmo e alegria, inseristes-nos no círculo desses Santos e mostrastes-nos que exatamente os Santos "pequenos" são os Santos "grandes". Mostrastes-nos que a scientia fidei e a scientia amoris andam juntas e se completam, que a razão grande e o grande amor andam juntos, também que o grande amor vê mais que a razão sozinha.
A Providência quis que esses Exercícios concluíssem com a festa de São José, meu Patrono pessoal e Patrono da Santa Igreja: um humilde santo, um humilde trabalhador, que se tornou digno de ser Guardião do Redentor.
São Mateus caracteriza São José com uma palavra: "Era justo", "dikaios", de "dike", e, na visão do Antigo testamento, como a encontramos, por exemplo, no Salmo 1, "justo" é o homem que é imerso na Palavra de Deus, que vive na Palavra de Deus, que vive a lei não como "jugo", mas com "alegria", vive – poderíamos dizer – a lei como "Evangelho". São José era justo, era imerso na Palavra de Deus, escrita, transmitida na sabedoria do seu povo, e exatamente desse modo era preparado e chamado a conhecer o Verbo Encarnado – o Verbo vindo entre nós como homem – e predestinado a custodiar, a proteger esse Verbo Encarnado; essa permanece a sua missão para sempre: custodiar a Santa Igreja e o Nosso Senhor.
Confiamo-nos neste momento à sua proteção, oremos para que nos ajude no nosso humilde serviço. Andemos adiante com coragem sob essa proteção. Sejamos gratos pelos humildes Santos, oremos ao Senhor a fim de que torne também a nós humildes no nosso serviço e, assim, santos na companhia dos Santos.
Mais uma vez, obrigado a vós, Padre Léthel, pela vossa inspiração. Obrigado!

Benedictus PP XVI

sexta-feira, 18 de março de 2011

Quem fundou a sua Igreja?

Por Carlos Martins Nabeto

Fonte: Agnus Dei

"Tu és Pedro, e sob esta pedra edificareis a minha Igreja."


INTRODUÇÃO

Este artigo pode, a princípio, parecer anti-ecumênico, mas não é. Muito pelo contrário, visa esclarecer fatos históricos. Pessoalmente, torço para o êxito do ecumenismo, que tem uma árdua tarefa na busca da aproximação, diálogo e consenso entre as várias denominações cristãs. Contudo, sou obrigado a registrar que, em virtude da imperfeição do ser humano, o ecumenismo caminha a passos lentos… muito lentos mesmo! Na verdade, a discórdia reinante entre os cristãos é fruto mais de interesses pessoais e políticos do que religiosos. É claro que existem diferenças de pontos doutrinais, criados a partir da necessidade de separação e identificação, mas será que existe vontade de discuti-los fraternalmente, a ponto, até, de reconhecê-los como errados?

Volta e meia a imprensa noticia que milhares e milhares de católicos estão indo seguir outras religiões. Vemos, assim, que o católico costuma a ser pacífico, bom ouvinte, o que, aliás, é uma boa virtude ecumênica. Por outro lado, sabemos que muitos católicos assim se declaram porque foram batizados quando crianças, não tendo, após isso, uma verdadeira vida cristã: nunca foram à Igreja (exceto para “pagar” promessas ou participar de missas de sétimo dia), nunca tiveram interesse de participar dos grupos comunitários e nunca se aprofundaram no estudo bíblico e doutrinário da Igreja (no máximo, fizeram a primeira – e única! – comunhão). Infelizmente, vemos atitudes pouco ecumênicas por parte da maioria dos dirigentes de outras igrejas que, aproveitando o fato do pouco conhecimento religioso de boa parte dos católicos, coverte-os às suas respectivas religiões usando, para isso, de artimanhas verdadeiramente anti-ecumênicas. Para discutir esse fenômeno, existem, hoje, duas correntes de pensamento dentro da própria Igreja católica: a primeira acha ótimo esse “êxodo”, já que ocorre uma purificação interna dentro da própria Igreja, uma vez que, como está comprovado, só deixam de ser católicos aqueles que pouco interesse têm pela Igreja. A segunda, embora reconhecendo que essa “purificação” é positiva e que contribui para o aumento da qualidade dos fiéis católicos, afirma que não é justo permitir o afastamento do “joio” já que estes foram, na maioria das vezes, conquistados de forma ilícita, isto é, por desconhecerem a sã doutrina da Igreja, mudaram de fé graças a argumentos duvidosos (apresentados por fiéis de outras igrejas), para os quais não tinham uma explicação satisfatória… De uma forma, como de outra, a própria Igreja católica reconhece que é necessária uma nova evangelização, buscando aprofundar as raízes de todos os fiéis católicos bem como de todos os homens de boa vontade.

TUDO É HISTÓRIA

Ao contrário de todas as demais religiões, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo são religiões históricas, não foram criadas a partir de mitos! Logo, todas as ações realizadas pelos fiéis dessas três grandes religiões ficaram registradas no tempo! São fatos, não lendas; é história, não estória! Não vamos falar sobre os judeus, pois sabemos que eles não aceitaram Jesus como o verdadeiro Messias porque sua visão de Messias, na época de Jesus, era estritamente política: o enviado de Deus que libertaria o povo da dominação romana (aliás, a destruição de Jerusalém em 135 dC pelos romanos foi motivada por essa falsa visão: três anos antes, Bar-Khokba fôra proclamado pelas autoridades religiosas como o Messias libertador). Quanto aos islâmicos, cuja fé baseia-se em Maomé, bem sabemos pela História que trata-se de uma religião com grandes influências do judaísmo e cristianismo.

Vamos, portanto, nos concentrar na fé cristã e ver o que é histórico, o que é verdadeiro, já que, na esmagadora maioria das vezes, os conflitos e divisões são gerados pelos próprios cristãos.

A IGREJA CATÓLICA

Jesus manifestou o interesse de fundar a Igreja (Mt 16,18), Igreja esta que teria autoridade (Mt 18,17), cujo sinal de unidade seria a pessoa de Pedro (Mt 16,18-19; Jo 21,15-17; etc). A Igreja foi oficialmente fundada após a ressurreição de Jesus, no domingo de Pentecostes, com o derramamento do Espírito Santo (At 2). A Igreja cresceu em número, primeiro em Jerusalém, e foi se espalhando pelo mundo graças à pregação e cuidado dos apóstolos. É de conhecimento geral que, naquela época, Roma era a senhora do mundo, o mais vasto império que a humanidade já conheceu. Foram os próprios apóstolos que viram a necessidade do deslocamento do Cristianismo para o centro do império romano a fim de facilitar a pregação do Evangelho. É fato histórico que Pedro e Paulo foram perseguidos e martirizados em Roma. Clemente Romano, ainda no séc. I, nos testemunha esses martírios. Irineu de Lião apresenta, no séc. II, a lista dos sucessores de Pedro, até aquela data. A arqueologia, através de escavações, confirmou a morte de Pedro e Paulo em Roma ao encontrar seus respectivos túmulos. Ao estudarmos a doutrina da Igreja católica, percebemos que ela não se afastou um milímetro sequer desde a sua fundação, ou seja, a Igreja católica atual é a mesma de 2000 anos atrás.

A PRIMEIRA DIVISÃO

A primeira divisão dentro do Cristianismo ocorreu em 1054 dC (aproximadamente mil anos após a fundação da Igreja). É o que se chama de Cisma Oriental. Antes disso, grandes polêmicas tinham surgido dentro do seio do Cristianismo mas, mesmo assim, sempre se chegava a um consenso geral através da realização de grandes Concílios Ecumênicos, que reuniam bispos de todo o mundo até então conhecido. Aqueles que não se adequavam às decisões eram afastados da Igreja, criando – como hoje em dia – comunidades heréticas que o próprio tempo tratou de exterminá-las. Mas o Cisma Oriental foi a primeira divisão que realmente abalou o mundo cristão. Doutrinariamente, os orientais, baseados em Constantinopla, acusaram a Igreja do ocidente de ter acrescentado o termo filioque ao credo niceno-constantinopolitano, resultando na procedência do Espírito Santo a partir do Pai e do Filho e não apenas do Pai, como originalmente registrava tal credo, o que dava a impressão que o Espírito Santo passou a “existir” após o Pai e o Filho. Muito embora a Igreja católica tenha demonstrado e comprovado que tal acréscimo nada modifica na fórmula original, nem impõe uma ordem de procedência já que trata-se do Deus único, a Igreja Ortodoxa jamais aceitou voltar à plena comunhão com a Igreja de Roma, o que bem demonstra que a divisão não ocorreu por motivo simplesmente doutrinário.

Mas então qual seria o verdadeiro motivo da separação? Política! Desde o séc. VII, Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, desejava ter os mesmos direitos da sé de Roma, tendo conseguido obter, no máximo, o reconhecimento do privilégio de segunda, logo depois de Roma. Assim, o argumento do “acréscimo ilícito” do filioque foi usado apenas para garantir a separação na ordem política! Isso é História.

AS DEMAIS DIVISÕES

Após a separação da Igreja Ortodoxa, foram necessários mais 500 anos, aproximadamente, para que nova divisão viesse abalar a Igreja do Ocidente. Também é fato histórico que na Igreja medieval ocorriam vários abusos, a grande maioria ocasionados pelo fato da ligação íntima entre Igreja e Estado; era o Estado que nomeava os bispos, sendo estes pouco preparados a nível religioso. Então era comum encontrarmos bispos que compravam determinada sede episcopal, que eram casados irregularmente, que eram impiedosos por falta de vocação religiosa, etc… Era necessária uma Reforma dentro da Igreja! Vários homens lutaram por essas reformas, cada qual a seu jeito. Francisco de Assis é um desses exemplos: lutou por reformas e conseguiu! Não precisou dividir a Igreja, pois reconhecia sua importâcia e autoridade. Mesmo assim, a Igreja ainda não estava totalmente reformada. Infelizmente, homens como Lutero e Calvino, ao invés de se inspirarem no grande exemplo de São Francisco, acharam mais fácil romper com a Igreja, fundando novas religiões… foi a chamada Reforma Protestante. Lendo a história de maneira completamente imparcial, vemos que, mais uma vez, a política se intrometia no campo religioso. Lutero, para impor suas doutrinas, aliou-se aos príncipes alemães descontentes com as boas relações entre o Imperador e o Papa. Calvino fez de Genebra um Estado cuja política era guiada por preceitos religiosos radicais, com visível orientação antipapal e anticatólica. Ao contrário de Lutero e Calvino, o rei Henrique VIII da Inglaterra estava preocupado em conseguir um descendente (filho) do sexo masculino para ser seu sucessor no trono; como Catarina de Aragão, sua esposa, não conseguia dar-lhe esse filho tão esperado e o Papa não consentisse o divórcio, obrigou ao clero inglês a reconhecê-lo como chefe supremo da igreja na Inglaterra. Observemos, portanto, como os argumentos religiosos são usados por todos, desde o princípio, como justificativa para implantação de idéias meramente políticas.

Lutero havia afirmado que quem dirige o crente é o Espírito Santo, de forma que este não necessita da autoridade de Igreja para ajudá-lo a interpretar a Bíblia, única fonte de fé que deve ser considerada pelo cristão. Esse mesmo ponto de vista foi adotado por Calvino e por todo o mundo protestante. Mesmo sendo oposta à própria Bíblia (2Pd 3,15-16), a livre interpretação ocasionou a fragmentação do Cristianismo em mais de 20 mil ramos, o que é um absurdo, já que cada ramo se julga a verdadeira Igreja de Cristo, tendo como único ponto comum o anticatolicismo. Mas, não reconhecendo a autoridade de Igreja, mais uma vez se voltam contra a Bíblia, pois esta afirma que o fundamento e coluna da verdade é a Igreja (cf. 1Tm 3,15), logo, apesar de possuirem alguns pontos verdadeiros (que são iguais aos da Igreja Católica!!!), não são a verdadeira Igreja de Cristo.
Vejamos a seguinte lista, organizada em ordem cronológica e incompleta, já que seria impossível listar as 20 mil igrejas cristãs hoje existentes:
AnoDenominaçãoOrigemFundador
~33Fundação da Igreja CatólicaPalestinaJesus
~55Igreja Católica se fixa em Roma, com Pedro e Paulo
1054Igreja OrtodoxaConstantinoplaMiguel Cerulário
1521Igreja LuteranaAlemanhaMartinho Lutero
1523AnabatistasAlemanhaZwickau
1523Batistas MenonitasHolandaMenno Simons
1531Igreja AnglicanaInglaterraHenrique VIII
1536Igreja PresbiterianaSuiçaJoão Calvino
1592Igreja CongregacionalistaInglaterraJohn Greenwood e outros
1612Igreja Batista Arminiana ou GeralInglaterraJohn Smith
~1630Sociedade dos Amigos (Quakers)InglaterraGeorge Fox
1641Igreja Batista Regular ou ParticularInglaterraRichard Blount
1739Igreja MetodistaInglaterraJohn Wesley
1816Igreja AdventistaEUAWillian Miller
1830MórmonsEUAJoseph Smith
1865Exército da SalvaçãoInglaterraWillian Booth
1878Testemunhas de JeováEUACharles T.Russel
1901Igreja PentecostalEUACharles Parham
1903Igreja Presbiteriana IndependenteBrasilOthoniel C. Mota
1909Congregação Cristã no BrasilBrasilLuís Francescon
1910Igreja Assembléia de DeusEUA/BrasilD.Berg/G.Vingren
1918Igreja do Evangelho QuadrangularEUAAimée McPherson
1945Igreja Católica Apostólica Brasileira (ICAB)BrasilCarlos D.Costa
1955Cruzada o Brasil para CristoBrasilManoel de Mello
1962Igreja Deus é AmorBrasilDavid Miranda
1977Igreja Universal do Reino de DeusBrasilEdir Macedo
Outros Ramos:
  • Adventistas: Adventistas da Era Vindoura, Adventistas do Sétimo Dia, Adventistas Evangélicos, Cristãos Adventistas, Igreja de Deus, União da Vida e do Advento, etc.
  • Batistas: Batistas Abertos, Batistas das Duas Sementes no Espírito, Batistas das Novas Luzes, Batistas das Velhas Luzes, Batistas do Livre Arbítrio, Batistas do Sétimo Dia, Batistas dos Seis Princípios, Batistas Fechados, Batistas Primitivos, Batistas Reformados, Velhos Batistas, etc.
  • Pentecostais:Cruzada da Nova Vida, Cruzada Nacional de Evangelização, Igreja Cristo Pentecostal da Bíblia, Igreja da Restauração, Igreja Jesus Nazareno, Reavivamento Bíblico, Tabernáculo Evangélico de Jesus (Casa da Bênção), etc.
Como cada uma dessas igrejas defende sua própria doutrina como verdadeira, apesar de se autonomearem como cristãos, excluem-se mutuamente. Contudo, a única Igreja cristã que existe desde a época de Cristo é a Igreja católica. E observando-se que sua doutrina permaneceu imutável nestes 2000 anos, temos que ela é a Igreja de Cristo, apesar das demais possuírem elementos verdadeiros, vestígios de sua ligação comum com a Igreja católica. Uma brincadeira de criança ilustra muito bem nosso ponto de vista: a brincadeira do“quem conta um conto, aumenta um ponto”. Uma pessoa transmite uma mensagem para uma segunda pessoa; entra, então, uma terceira pessoa, que recebe a informação da segunda pessoa, e assim, sucessivamente. Não são necessárias muitas pessoas, pois já na quarta ou quinta pessoa, a informação está completamente distorcida da informação original. O mesmo ocorre no campo religioso: como pode, igrejas sem nenhuma ligação com Jesus proclamar-se detentoras da verdade? E como podem essas igrejas atribuir suas mais diversas doutrinas ao mesmo Espírito Santo, sendo estas completamente contraditórias entre si? Não seria uma blasfêmia dizer que o Espírito Santo está ocasionando divisões entre os cristãos se Jesus Cristo afirmou que haveria um só rebanho e um só pastor? (Jo 10,16)

Além da pergunta: “quem fundou a sua igreja?”, outra pergunta interessante a ser feita aos cristãos não católicos é: “qual seria a sua religião se você nascesse há mil anos atrás?”. Nessa época, havia unidade total entre os cristãos e a resposta seria apenas uma: católica. Ora, se não houve mudanças na doutrina desde a fundação da Igreja, é ilógico e contraditório aceitar atualmente doutrinas que não se alinham com as da Igreja católica!!! Pode-se aceitar ritos e disciplinas diferentes, mas não doutrinas!

Quem dá sustentação e vida à árvore é sua raiz! Uma árvore sem raiz não sobrevive nem se mantém segura de pé! E o que temos na raiz desta grande árvore que é o Cristianismo? Na base (raiz) está a Igreja católica (é fato histórico; observe mais uma vez a tabela acima)! Sua raiz bebe diretamente Daquele que dá e é a água viva (cf. Jo 4,10), Jesus Cristo, o Filho de Deus. E é por isso que ela, ainda nos dias de hoje, tem se demonstrado forte e vigorosa (apesar da sua idade), e assim será até a consumação dos séculos (cf. Mt 28,20b).


NABETO, Carlos Martins. Apostolado Veritatis Splendor: Quem fundou a sua Igreja?. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/4477. Desde 6/8/2007.

Pensamentos para Quaresma

Por Dom Eugenio de Araujo Cardeal Sales, Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro


Iniciamos com a quarta-feira de cinzas mais um ciclo litúrgico, a Quaresma. Ela nos oferece ainda excelente oportunidade para tratar de um assunto cada vez mais ofensivo à mentalidade e sensibilidade reinantes, inclusive de cristãos.

Respira-se uma atmosfera na qual o direito à satisfação dos sentidos é afirmado como algo supremo e indiscutível, acima de qualquer limitação. Dentro dessa visão errônea, tudo o que se lhe opõe é proscrito. No entanto, há um "direito ao prazer", dentro de uma conceituação correta. Não como um ídolo ao qual tudo se submete, mas como meio de preservar uma finalidade de vida individual e coletiva.

Vejamos esse assunto sob o ângulo natural, independentemente da crença religiosa.

Toda criatura busca a perfeição, uma harmonia a ser construída. Essa tarefa, ao ser posta de lado por algum motivo, gera tensão e desordem. Assim, o instinto foi dado ao homem como força protetora para salvar a si mesmo e fazer sobreviver a coletividade. No primeiro caso, ele é espicaçado pela vontade de reter e usufruir bens materiais. Então, pela falta de autocontrole e desprezo dos valores que devem alicerçar a conduta, surgem as mais variadas deformações. Quem quer possuir dificilmente se dá conta que pesa sobre o que ele acumulou uma grave “hipoteca social”. O egoísmo ofusca-o. Ele não vê as necessidades dos irmãos. Naturalmente reage à penitência que exige uma justa distribuição. A consciência de que nada nos pertence de maneira absoluta mostra outra realidade: os que vivem em penúria, passam privações, os doentes, os sem-emprego, os acabrunhados pelo luto. Nos hospitais e nas prisões, em muitos lares, em locais de trabalho há pessoas sofredoras. Na rua, irmãos sem amigos nem compreensão, sem saber como enfrentar o dia de amanhã. Somente pelo esforço contra as tendências deformadoras alcançaremos a harmonia interior e social.

O mesmo ocorre com o instinto sexual. Ele é destinado a perpetuar a vida na terra. Como a espécie é mais importante que o indivíduo, é extraordinariamente forte. Mas, sob o império do prazer, termina por divinizá-lo. Em consequência, sacrifica-se a existência do outro ser, no aborto, no adultério e no estupro.

Mesmo para quem não participa de nossa Fé, a penitência quaresmal é de grande valia. Combate o amor próprio que desintegra, prejudica e degrada o homem. Ao resistir à força cega dos impulsos, ele redescobre uma liberdade que o eleva como pessoa humana.

A necessidade de ascese torna-se mais clara quando é vista na perspectiva da doutrina cristã.

Recordo que, com data de 17 de fevereiro de 1966, o Papa Paulo VI publicou a Constituição Apostólica “Penitemini”, que assim começa: “Fazei penitência e crede no Evangelho” (Mc 1,15) (...) Entre os graves e urgentes problemas que se apresentam à nossa solicitude pastoral não nos parece ser o último o de lembrarmos aos nossos filhos – e a todos os homens religiosos de nosso tempo – o significado e a importância do preceito divino da penitência”.

Um dos maiores desvios que ofendem gravemente a face do Senhor, na Igreja de nossos dias, é a fuga às exigências da Fé. Deturpa a mensagem de Cristo aquele que busca acomodar-se à mentalidade do mundo. Assim cria uma outra instituição, da qual exclui tudo o que representa renúncia, restrição; substitui a dureza da Cruz salvadora pelas facilidades proporcionadas por falsos ensinamentos. Faz-se mister clamar a plenos pulmões que os deveres do catolicismo não foram abolidos: a missa dominical, a confissão auricular, os mandamentos da lei de Deus e assim por diante. Esta situação dúbia, proveniente de pregadores e professores acobertados sob o título de “católicos”, vem danificando a vida religiosa.

O Papa João Paulo II, em outra Carta Apostólica, a “Savifici Doloris”, “sobre o sentido cristão do sofrimento”, nos ensinava: “As Testemunhas da Cruz e da Ressurreição de Cristo transmitiram à Igreja e à Humanidade um Evangelho específico do sofrimento” (nº25). Repetidas vezes, o Mestre nos adverte que as tribulações, em decorrência da fidelidade a Ele, diante da necessidade de coibir a concupiscência, ao mesmo tempo “contêm em si o chamamento especial à coragem, à fortaleza, apoiado pela eloquência da Ressurreição” (Idem).

O Apóstolo Paulo nos admoesta: “Todos aqueles que querem viver piedosamente em Jesus Cristo, serão perseguidos” (2Tm 3,12).

O tempo da Quaresma nos alerta para o valor da ascese, “o primado dos valores religiosos e sobrenaturais da penitência” (“Penitemini”, nº23). O convite à conversão, próprio desta época do ano litúrgico, deve ser acompanhado “pelo exercício voluntário de ações exteriores de penitência (...), afora as renúncias impostas pelo peso da vida cotidiana” (Idem, nº27). Este documento “indica, na tríade tradicional – oração, jejum e esmola – os modos fundamentais para obedecer ao preceito divino da penitência” (Ibidem, nº30).

É nesse sentido que O Papa Bento XVI, em sua mensagem para a Quaresma deste ano nos exorta a “contemplar o Mistério da Cruz... para realizar uma conversão profunda da nossa vida: deixar-se transformar pela ação do Espírito Santo...; orientar com decisão nossa existência segundo a vontade de Deus; libertar-nos do nosso egoísmo,... abrindo-nos à caridade de Cristo”.

O cristão, durante todo o ano, especialmente na Quaresma, descobre a verdadeira dimensão dos valores temporais e o faz pela penitência.




Fonte: Salvem a Liturgia!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Quaresma

por Dom Hilário





O Carnaval se foi. Com ele se foram as folias e tudo o mais que costuma acompanhá-lo de bom e de ruim. Agora, aos olhos do cristão abre-se a porta da Quaresma, ou seja, da conversão. A quarta-feira de Cinzas é o símbolo do retorno aos braços do Pai e do esforço para crescer no seguimento de Jesus até o Calvário, onde está plantada a cruz da morte e o sepulcro vazio da ressurreição. É a Páscoa que desponta no horizonte. Vamos com alegria e decisão ao seu encontro!

A Quaresma e a Páscoa que a encerra evocam o batismo. O acontecimento da morte e da ressurreição de Jesus tornou-se também meu por meio do batismo, conforme ensina São Paulo: “Ignorais que todos nós, que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte?” (Romanos 6,3). E ainda: “Sepultados com Cristo no batismo, foi também com Ele que ressuscitastes” (Colossenses 2,12).

Conclusão: a Quaresma me propõe retornar à fonte batismal onde eu fui lavado do pecado e onde a vida divina invadiu todo o meu ser; ali me tornei templo da Trindade e fui inserido na comunidade de Jesus, a Igreja. A Quaresma também me convida a um exame de consciência para conferir se estou ou não caminhando pelo caminho do Evangelho e do seguimento de Jesus. Em resumo, a pergunta é esta: realmente sou “cristão” (de Cristo), sou discípulo do Mestre morto e ressuscitado?

Na Quaresma fala-se sempre em conversão, isto é em “voltar” para Deus e em “voltar-se” para Deus. “Voltar” para Deus é para aqueles que “se voltaram” contra Deus pelo pecado. “Voltar-se” para Deus é para todos. Minha peregrinação sobre a terra deve ter uma bússola, uma estrela que me orienta a buscar constantemente a face de Deus. Não no sentido de buscar experiências espirituais extraordinárias, mas no sentido de nunca permitir que Deus desapareça do horizonte da minha vida de cada dia. Se isso acontecer, seria como se o sol desaparecesse: tudo morreria de frio. Por isso, a minha primeira preocupação quaresmal deve ser a de dar a Deus o primeiro lugar que Ele merece em minha vida.

Deus se fez próximo a mim em Jesus, seu Filho feito meu Irmão. Jesus é o Caminho, a Verdade, a Vida, a Luz, a Ressurreição; Jesus é Deus! Assim, para que Deus seja o “sol” da minha vida, basta seguir Jesus. E você sabe que o caminho percorrido por Jesus neste mundo (e proposto a mim também) não foi um caminho enfeitado de rosas; houve muitos espinhos que o arranharam, e todo mundo sabe como a história terminou: na cruz! Por isso, meu exame de consciência na Quaresma precisa passar por Jesus, pelo seu Evangelho, pelo mesmo caminho que Ele percorreu. Por onde andei até agora? Que caminhos percorri longe dEle? É sempre tempo de “voltar” (converte-se) a Jesus. Nesta Quaresma Ele me espera...

O próprio Jesus me propõe um caminho concreto a percorrer durante a Quaresma: jejum, esmola e oração. O jejum, mais do que abster-se de alimentos (o que também é útil para o corpo e para a alma, quando feito com moderação), é um convite para “fazer jejuar” o demônio e o pecado, isto é, para a renúncia a tudo aquilo que pode me afastar de Jesus. A esmola, mais do que tirar do bolso algum trocado (o que também é conveniente em certas circunstâncias), é ser solidário com as pessoas, particularmente as mais necessitadas; é perdoar as ofensas, reconciliar-se com quem está indisposto com a gente, participar da vida da comunidade eclesial, dispor-se ao serviço dos outros (aqui também se insere a Campanha da Fraternidade). A oração, mais do que multiplicar orações (claro que rezar é indispensável), consiste em ter o coração constantemente “voltado” para Jesus, ouvir sua Palavra, buscar o perdão dos pecados pelo sacramento da Penitência, alimentar-se da Eucaristia.

Para não ir longe demais e não complicar a vida espiritual, durante toda a Quaresma, em preparação para a Páscoa, tenha na sua mente e no seu coração, estas quatro realidades: batismo, jejum, esmola e oração. Caminhe por esse caminho, que é o “caminho de Jesus”. Como Ele, você passará pela cruz (renúncia), como Ele abrirá seu coração ao amor (esmola), como Ele cumprira´em tudo a vontade do Pai (oração). Fazendo isso, sua vida divina (batismo) retomará vigor e você se tornará mais filho/a de Deus, mais discípulo/a de Jesus, mais templo do Espírito Santo, mais irmão/a de todos na Igreja e no mundo. Então, sim, você poderá dizer que, como Jesus, está de fato preparado para celebrar a Páscoa.