terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Santa Luzia, ora pro nobis!


O nome de Santa Luzia deriva do latim e significa portadora da luz. Ela é invocada pelos fiéis como a protetora dos olhos, que são a "janela da alma", canal de luz.

Luzia nasceu em uma rica família napolitana de Siracusa (Itália), no fim do śeculo III, que lhe deu ótima formação cristã, a ponto de ter feito um voto de viver a virgindade perpétua. Com a morte do pai, Luzia soube que sua mãe, chamada Eutícia, a queria casada com um jovem de distinta família, porém, pagão. 

Ao pedir um tempo para o discernimento e tendo a mãe gravemente enferma, Luzia inspiradamente propôs à mãe que fossem em romaria ao túmulo da mártir Santa Águeda, em Catânia, e que a cura da grave doença seria a confirmação do "não" para o casamento. Milagrosamente, foi o que ocorreu logo com a chegada das romeiras e, assim, Santa Luzia voltou para Siracusa com a certeza da vontade de Deus quanto à virgindade e quanto aos sofrimentos pelos quais passaria, assim como Santa Águeda. 

Santa Luzia vendeu tudo, deu aos pobres, e com o casamento cancelado, foi denunciada como cristã ao governador romano pelo jovem que a queria como esposa. Não querendo oferecer sacrifício aos falsos deuses nem quebrar o seu santo voto, foi levada a julgamento diante das autoridades perseguidoras. Era o período da perseguição religiosa imposta pelo cruel imperador Diocleciano. Quis o prefeito da cidade, Pascásio, levar à desonra a virgem cristã, o mandando que a carregassem à força a um prostíbulo, para servir à prostituição. Mas não houve força humana que a pudesse arrastar. Firme como um monte de granito, várias juntas de bois não foram capazes de a levar (Santa Luzia é muitas vezes representada com os sobreditos bois). Foi, então, condenada a morrer ali mesmo. Os carrascos jogaram sobre seu corpo resina e azeite ferventes, mas ela continuava viva, as chamas do fogo também se mostravam impotentes diante dela. Somente um golpe de espada em sua garganta conseguiu tirar-lhe a vida. A decapitação de Santa Luzia se deu no ano de 303.

Somente em 1894 o martírio da jovem Luzia foi devidamente confirmado, quando se descobriu uma inscrição escrita em grego antigo sobre o seu sepulcro, em Siracusa, Nápoles. A inscrição trazia o nome da mártir e confirmava a tradição oral cristã sobre sua morte no início do século IV. 

Mas a devoção à santa já era exaltada desde o século V. Além disso, o papa Gregório Magno, passado mais um século, a incluiu com todo respeito para ser citada no cânone da missa. Os milagres atribuídos à sua intercessão a transformaram numa das santas auxiliadoras da população, que a invocam, principalmente, nas orações para obter cura nas doenças dos olhos ou da cegueira. 

Diz a antiga tradição que essa proteção, pedida a santa Luzia, se deve ao fato de que ela teria arrancado os próprios olhos, entregando-os ao carrasco, preferindo isso a renegar a fé em Cristo. Santa Luzia é reconhecida pela vida que levou Jesus - Luz do Mundo - até as últimas consequências, pois assim testemunhou diante dos acusadores: "Adoro a um só Deus verdadeiro, e a Ele prometi amor e fidelidade".

A arte perpetuou seu ato extremo de fidelidade cristã através da pintura e da literatura. Foi enaltecida pelo magnífico escritor Dante Alighieri, na obra "A Divina Comédia", que atribuiu a santa Luzia a função da graça iluminadora. Assim, essa tradição se espalhou através dos séculos, ganhando o mundo inteiro, permanecendo até hoje. 

Para proteger as relíquias de santa Luzia dos invasores árabes muçulmanos, em 1039, um general bizantino as enviou para Constantinopla, atual território da Turquia. Elas voltaram ao Ocidente por obra de um rico veneziano, seu devoto, que pagou aos soldados da cruzada de 1204 para trazerem sua urna funerária. 

Santa Luzia é celebrada no dia 13 de dezembro e seu corpo está guardado na Catedral de Veneza, embora algumas pequenas relíquias tenham seguido para a igreja de Siracusa, que a venera no mês de maio também.




Fontes:

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Nossa Senhora de Guadalupe

Como toda aparição de Nossa Senhora, a que é venerada hoje é emocionante também. Talvez esta seja uma das mais comoventes, pelo milagre operado no episódio e pela dúvida lançada por um bispo sobre sua aparição a um simples índio mexicano. 

Tudo se passou em 1531, no México, quando os missionários espanhóis já haviam aprendido a língua dos indígenas. A fé se espalhava lentamente por essas terras mexicanas, cujos rituais astecas eram muito enraizados. O índio João Diogo havia se convertido e era devoto fervoroso da Virgem Maria. Assim, foi o escolhido para ser o portador de sua mensagem às nações indígenas. Nossa Senhora apareceu a ele várias vezes. 

A primeira vez, quando o índio passava pela colina de Tepyac, próxima da Cidade do México, atual capital, a caminho da igreja. Maria lhe pediu que levasse uma mensagem ao bispo. Ela queria que naquele local fosse erguida uma capela em sua honra. Emocionado, o índio procurou o bispo, João de Zumárraga, e contou-lhe o ocorrido. Mas o sacerdote não deu muito crédito à sua narração, não dando resposta se iria, ou não, iniciar a construção. 

Passados uns dias, Maria apareceu novamente a João Diogo, que desta vez procurou o bispo com lágrimas nos olhos, renovando o pedido. Nem as lágrimas comoveram o bispo, que exigiu do piedoso homem uma prova de que a ordem partia mesmo de Nossa Senhora. 

Deu-se, então, o milagre. João Diogo caminhava em direção à capital por um caminho distante da colina onde, anteriormente, as duas visões aconteceram. O índio, aflito, ia à procura de um sacerdote que desse a unção dos enfermos a um tio seu, que agonizava. De repente, Maria apareceu à sua frente, numa visão belíssima. Tranqüilizou-o quanto à saúde do tio, pois avisou que naquele mesmo instante ele já estava curado. Quanto ao bispo, pediu a João Diogo que colhesse rosas no alto da colina e as entregasse ao religioso. João ficou surpreso com o pedido, porque a região era inóspita e a terra estéril, além de o país atravessar um rigoroso inverno. Mas obedeceu e, novamente surpreso, encontrou muitas rosas, recém-desabrochadas. João colocou-as no seu manto e, como a Senhora ordenara, foi entrega-las ao bispo como prova de sua presença. 

E assim fez o fiel índio. Ao abrir o manto cheio de rosas, o bispo viu formar-se, impressa, uma linda imagem da Virgem, tal qual o índio a descrevera antes, mestiça. Espantado, o bispo seguiu João até a casa do tio moribundo e este já estava de pé, forte e saudável. Contou que Nossa Senhora "morena" lhe aparecera também, o teria curado e renovado o pedido. Queria um santuário na colina de Tepyac, onde sua imagem seria chamada de Santa Maria de Guadalupe. Mas não explicou o porquê do nome. 

A fama do milagre se espalhou. Enquanto o templo era construído, o manto com a imagem impressa ficou guardado na capela do paço episcopal. Várias construções se sucederam na colina, ampliando templo após templo, pois as romarias e peregrinações só aumentaram com o passar dos anos e dos séculos. 

O local se tornou um enorme santuário, que abriga a imagem de Nossa Senhora na famosa colina, e ainda se discute o significado da palavra Guadalupe. Nele, está guardado o manto de são João Diego, em perfeito estado, apesar de passados tantos séculos. Nossa Senhora de Guadalupe é a única a ser representada como mestiça, com o tom de pele semelhante ao das populações indígenas. Por isso o povo a chama, carinhosamente, de "La Morenita", quando a celebra no dia 12 de dezembro, data da última aparição. 

Foi declarada padroeira das Américas, em 1945, pelo papa Pio XII. Em 1979, como extremado devoto mariano, o papa João Paulo II visitou o santuário e consagrou, solenemente, toda a América Latina a Nossa Senhora de Guadalupe.

Nuestra Señora de Guadalupe, ora pro nobis!

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Muitos cientistas têm ido ao México, à Basílica de Guadalupe, para decifrar o enigma do manto (tilma) do índio Juan Diego, onde está gravada a imagem de Maria, e que se encontra exposto para visitação dos fiéis.

1) A TILMA (manto) E A "PINTURA"

a) O primeiro milstério, com o qual se deparam os cientistas, é o material com que foi feito a tilma: uma fibra vegetal, própria do México, que possui uma durabilidade estimada em 20 anos. Depois disso, ela começa a se oxidar e a se deteriorar. Aqui encontra-se o primeiro mistério: o manto está em perfeita conservação já há 500 anos. Fato para o qual os experts não encontram uma explicação lógica.

b) O outro mistério sem uma explicação convincente é a respeito da pintura impressa. Ao longo de muitos anos foram feitas várias investigações científicas, como por exemplo, a de um cientista austríaco (vencedor do prêmio Nobel de Química), em 1936, ou a de um professor em 1954 e, a última, a de dois cientista americanos.

Estes cientistas dos Estados Unidos estudaram a imagem da Virgem Maria com raios infra-vermelhos, ficando vivamente admirados. De acordo com o laudo que apresentaram, não há qualquer traço de pincel no manto, o qual, nem sequer estava preparado para receber uma pintura. Parece-lhes uma imagem impossível. Continua o laudo: os pigmentos de "tinta" existentes na imagem não têm origem nem no reino animal, nem vegetal e nem mineral; não pertencem a nenhuma categoria existente neste mundo. Também não é uma pintura sintética.

2) OS OLHOS DA IMAGEM

Em seguida os cientistas se dispuseram a estudar os olhos da Virgem de Guadalupe com potentíssimos aparelhos e computadores. Verificaram, então, que dentro dos olhos da imagem existem figuras refletidas - como os olhos de uma pessoa, por exemplo, quando está de frente para uma janela luminosa. Estas figuras são humanas, mais precisamente, são o índio Juan Diego, o bispo, um índio e outras pessoas, todas presentes na sala onde o índio "abriu" o manto para mostrar as rosas.

O LAUDO ESPECÍFICO DOS OLHOS DA VIRGEM MARIA

A córnea direita da imagem mede apenas 8 milímetros e ela reflete imagens, como um espelho, que somente é possível de acontecer com seres VIVOS. Portanto, Maria aparece na tilma como uma pessoa VIVA. Dentro desta córnea foram encontradas as seguintes figuras:

1) Um indígena sentado com a pernas cruzadas; posição típica dos inkas daquela região;

2) O rosto de um ancião com características espanholas; identificado como sendo a face do bispo. Foram comparados quadros pintados com a figura do bispo com a imagem contida na córnea da Virgem e constataram que era realmente o bispo;

3) Um outro espanhol, que, como se sabe, servia de intérprete entre o bispo e Juan Diego;

4) Uma mulher negra. Sabe-se, historicamente, que o bispo libertava os escravos e que havia uma que trabalhava na sede episcopal e que se chamava Maria;

5) Uma família com seis pessoas, dentre elas, crianças. A Igreja vê neste fato uma chamada de atenção de Nossa Senhora para a importância da família, hoje em dia tão atacada;

6) Um índio com a tilma abaixada (esticada) contendo a imagem. Esta figura é a de Juan Diego.

Verificou-se igualmente que todas estas figuras olham para a mesma direção; olham para Juan Diego que traz em si a sagrada estampa da Virgem Maria.

Foram 20 anos de estudos para se chegar a este laudo científico.


Fonte:

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Solenidade da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria

Tota Pulchra es, Maria!
Et macula originalis non est in te!
Tu, Gloria Ierusalem!
Tu, Laetitia Israel!
Tu, honorificentia populi nostril!
Tu, advocata peccatorum!
O Maria!
O Maria!
Virgo Prudentissima,
Mater Clementissima,
Ora pro nobis.
Intercede pro nobis
ad Dominum Iesum Christum!



És torre inabalada, farol que nos conduz, 
trazendo, imaculada, o bálsamo: Jesus!



In Conceptione tua, Virgo, Immaculata fuisti.
Ora pro nobis Patrem, cuius Filium peperisti.

Oremus. Deus, qui per immaculatam Virginis Conceptionem dignum Filio tuo habitaculum praeparasti, quaesumus, ut qui ex morte eiusdem Filii tui praevista eam ab omni labe praeservasti, nos quoque mundos eius intercessione ad te pervenire concedas. Per eumdem Christum Dominum nostrum.
Amen.





SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO
DA SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA
BENEDETTO XVI
ANGELUS
Praça de São Pedro
Quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje a Igreja celebra solenemente a Imaculada Conceição de Maria. Como declarou o Beato Pio IX, em sua Carta Apostólica Ineffabilis Deus de 1854, ela "foi preservada, por especial graça e privilégio de Deus onipotente, em antecipação dos méritos de Jesus Cristo, o Salvador da humanidade, livre de toda mancha do pecado original." Esta verdade de fé está contida nas palavras de saudação que deu-lhe o Arcanjo Gabriel: "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1, 28). A expressão "cheia de graça" indica a obra maravilhosa de Deus, que quis dar-nos de volta a vida e a liberdade, perdida pelo pecado, através de Seu Filho Unigênito encarnado, morto e ressuscitado. Portanto, desde o segundo século, no Oriente e Ocidente, a Igreja reza e celebra a Virgem, que com seu "sim" trouxe o céu à terra, tornando-se "geradora de Deus e enfermeira de nossas vidas", como expressou São Romanus em melodias de uma velha canção (Canticum Mariae Virginis XXV em Nativitatem B., no JB Pitra, Analecta Sacra t. I, Paris 1876, 198). No século VII, São Sofrônio de Jerusalém louvou a grandeza de Maria, porque o Espírito Santo passou a residir nela, e diz: "Você excede toda a magnificência dos dons que Deus já conferida a qualquer pessoa humana. Sobre todos é rica da posse de Deus que habita em vós" (Oratio II, 25 em SS Deiparae Annuntiationem:. PG 87, 3, AB 3248). E São Beda, o Venerável disse: "Maria é bendita entre as mulheres, porque com a dignidade da virgindade tem contado com a bênção de ser geradora de uma criança que é Deus" (Hom I, 3: CCL 122, 16).

Também nos é dada a "plenitude de graça" que precisamos para resplandecer nela em nossa vida, porque "o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo - escreve São Paulo - nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual... e ele nos escolheu antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis para ele... predestinou para sermos filhos" (Ef 1, 3-5). Esta filiação que recebemos através da Igreja, no dia do Batismo. A este respeito, Santa Hildegard de Bingen escreve: "A Igreja é, portanto, a mãe virgem de todos os cristãos. A força secreta do Espírito Santo as concebe e dá à luz a eles, oferecendo-lhes a Deus para que eles também sejam chamados filhos de Deus”. (Scivias, visão III, 12: CCL continuatio Mediævalis XLIII, 1978, 142). E, finalmente, entre os muitos cantores da beleza espiritual da Mãe de Deus, está São Bernardo de Claraval, que disse que a invocação "Ave Maria cheia de graça" é "agradável a Deus, aos anjos e aos homens. Aos homens graças a maternidade, aos anjos graças a virgindade e à Deus graças a humildade" (Sermo xlvii, De Annuntiatione Dominica: SBO VI, 1, Roma 1970, 266).

Queridos amigos, esperando para fazer esta tarde, como é habitual, a homenagem a Maria Imaculada na Praça de Espanha, voltamo-nos agora a nossa oração fervorosa para Aquele que intercede junto a Deus para nos ajudar a celebrar com fé o Natal do Senhor que se aproxima.


* Tradução minha.

Fonte:

Maria Imaculada!

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI

Solenidade da Imaculada Conceição de Maria
Quinta-feira 08 de dezembro de 2011


Queridos irmãos e irmãs 

A grande festa de Maria Imaculada convida-nos a cada ano para estarmos aqui, em uma das praças mais bonitas de Roma, para prestar homenagem a ela, a Mãe de Cristo e Mãe nossa. Saúdo com afeto a todos vós aqui presentes e aqueles que estão unidos conosco através da rádio e televisão. E obrigado por sua participação neste evento de oração. 

No topo da coluna em que estamos Maria é representada por uma estátua que lembra, em parte, a passagem em Apocalipse que foi há pouco proclamada: "Um grande sinal apareceu no céu: uma mulher vestida do sol, e a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça" (12, 1). Qual é o significado da imagem? Representa tanto a Virgem e como a Igreja. 

Primeiro, a "mulher" de Apocalipse é a própria Maria. Aparece "vestida de sol", isto é, Deus vestiu a Virgem Maria, na verdade, é completamente cercada pela luz de Deus e vive em Deus. Este símbolo “Vestido luz” expressa claramente uma condição que diz respeito a todo o ser de Maria: Ela é "cheia de graça," cheia do amor de Deus. E "Deus é luz", diz São João (1 Jo 1, 5). Aqui, então, que a "cheia de graça", a pessoa "Imaculada" toda reflete a luz do "sol" que é Deus. 

Esta mulher tem a lua debaixo dos pés, símbolo da morte e da mortalidade. Maria, na verdade, é plenamente associada com a vitória de Jesus Cristo, Seu Filho, sob o pecado e a morte, está livre da sombra da morte, plenamente viva. Como a morte já não tem qualquer poder sobre Jesus ressuscitado (cf. Rom 6, 9) e por uma singular graça e privilégio de Deus onipotente, Maria também deixou-a para trás, já superou-a. E isso se manifesta nos dois grandes mistérios da existência: no início, tendo sido concebida sem pecado original, que é o mistério que hoje celebramos, e finalmente, depois de ter sido levada de  corpo e alma para o céu, a glória de Deus. Mas toda a sua vida terrena foi uma vitória sobre a morte, porque dedicou-se totalmente ao serviço de Deus, oferecendo-Lhe a si e aos outros. É por isso que Maria é em si um hino à vida: é a criatura que já realizou a palavra de Cristo: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10, 10). 

Na visão do Apocalipse, há um outro detalhe: na cabeça da mulher vestida de sol, há "uma coroa de doze estrelas." Este sinal representa as doze tribos de Israel, o que significa que a Virgem Maria está no centro do Povo de Deus, a comunhão geral dos santos. E assim esta imagem da coroa de doze estrelas nos apresenta a interpretação do segundo maior do sinal celestial da "mulher vestida de sol": além de representar a Virgem, este sinal simboliza a Igreja, a comunidade cristã de todos os tempos. Está grávida, no sentido de que carrega Cristo em seu ventre e deve ser luz para o mundo: esta é a tribulação da Igreja peregrina sobre a terra, no meio das consolações de Deus e as perseguições do mundo, deve levar Jesus aos homens. 

E justamente por isso, porque conduz a Jesus, a Igreja opõe-se por um adversário feroz, representado na visão apocalíptica de "um grande dragão vermelho" (Apocalipse 12, 3). Este dragão tentou em vão devorar Jesus "filho, que é pastor todas as nações" (12, 5) -, em vão, Jesus, através da Sua morte e ressurreição, ascendeu para Deus e sentou em seu trono. Portanto, o dragão, derrotado uma vez por todas no céu, dirigiu seus ataques contra a mulher, a Igreja no deserto do mundo. Mas em todos os tempos a Igreja é sustentada pela luz e pela força de Deus, que alimenta o deserto com o pão da sua Palavra e da Eucaristia. E assim, em alguma tribulação, através de todas as evidências encontradas ao longo dos tempos e em diferentes partes do mundo, a Igreja sofre perseguições, mas está ganhando. E precisamente desta forma a comunidade cristã é a presença, a certeza do amor de Deus contra todas as ideologias de ódio e de egoísmo. 

A armadilha que a Igreja pode e deve temer é apenas o pecado dos seus membros. De fato, enquanto Maria é Imaculada, está livre de toda mancha do pecado, a Igreja é santa, mas ao mesmo tempo, marcada por nossos pecados. Portanto, o povo de Deus, peregrino no tempo, se dirige a sua Mãe celeste e pede sua ajuda, o pedido para que ela acompanhe o caminho da fé, para incentivar o compromisso da vida cristã e para manter a esperança. Precisamos da sua ajuda, especialmente neste momento muito difícil para a Itália, para a Europa, para várias partes do mundo. Que Maria nos ajude a ver que há uma luz além da camada de neblina que parece envolver a realidade. Portanto, também nós, especialmente nesta ocasião, vamos continuar a pedir-lhe ajuda com confiança filial, "Oh Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós."




Ora pro nobis, intercede pro nobis ad Dominum Jesum Christum!

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O mariologista Stefano de Fiores fala à Rádio Vaticano
ROMA, sexta-feira, 9 de dezembro de 2011 (ZENIT.org) - A natureza humana de Maria atinge a perfeição desde a concepção: ela proclama a redenção de Cristo de forma muito mais perfeita do que todos os outros resgatados. São palavras ditas à Rádio Vaticano pelo padre Stefano De Fiores, mariologista, sacerdote de Monfort.

"Maria faz parte da comunidade dos que foram salvos porque ela é Imaculada não pelas próprias forças, mas por um dom que vem de Jesus Cristo, que tem duas maneiras de se tornar e mostrar-se mediador: libertando-nos do pecado cometido ou preservando-nos do pecado com uma força ainda superior, que é a força que impede Maria de cair em pecado".

As aparições de Lourdes não se restringem apenas a confirmar o dogma de Pio IX promulgado em 1854, já que, naquela localidade dos Pirineus, Maria disse "Eu sou a Imaculada Conceição", e não apenas que foi concebida imaculada.


Portanto, continuou De Fiores, a Virgem Maria se identifica com o primeiro instante da sua concepção imaculada, porque durante toda a sua vida ela é fiel àquele momento inicial.

Além de ter sido concebida sem a mancha do pecado original, Maria "sempre viveu de acordo com esse dom inicial, podendo de verdade representar a Imaculada Conceição", acrescentou.


Já em Gênesis, especificamente no chamado Protoevangelho da Salvação, Maria é prefigurada em seu dogma quando Deus amaldiçoa o demônio, que, disfarçado de serpente, corrompe a primeira mulher, Eva: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela; ela te esmagará a cabeça e tu lhe atacarás o calcanhar" (Gen 2,15).


Uma profecia, esta, que é entendível justamente com o dogma da Imaculada Conceição, graças ao qual "temos a realização desse anúncio profético do Protoevangelho, com Maria unida a Cristo na vitória sobre o diabo e sobre todos os pecados, inclusive o pecado original", concluiu De Fiores.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Para a Celebração do Natal


Durante o Advento, preparamo-nos para celebrar bem o Natal de Jesus. Em nós reavivar a certeza de que não estamos sozinhos no mundo. O Deus da esperança caminha conosco e conduz a história; também acompanha a nossa
vida pessoal e nos ajuda a superarmos os males e a alcançarmos a felicidade e a vida plena.

O Natal celebra na fé o fato mais extraordinário já acontecido entre nós: o Filho
de Deus se fez homem por meio da Virgem Maria, para santificar este mundo e nossas pessoas mediante o Mistério da sua admirável Encarnação. Nosso Deus é “Emanuel”, Deus conosco. Ele está no meio de nós!



Para a Celebração do Natal

- Na noite do Natal, antes da festa em família, reunir todos perto do presépio, ou no lugar preparado para acolher o Menino Jesus;

- Acender uma vela;

- Enquanto se canta um hino de Natal, uma criança ou uma jovem introduz a imagem do Menino Jesus e a coloca no presépio;

- Ler o Evangelho do nascimento de Jesus
(Lc 2,1-20);

- Em seguida, todos recitam a oração do Ângelus:

Voz 1: O Anjo do Senhor anunciou a Maria,
Voz 2: E ela concebeu do Espírito Santo.
Todos: Ave Maria...

Voz 1: Eis aqui a serva do Senhor,
Voz 2: Faça-se em mim segundo a vossa palavra.
Todos: Ave Maria...

Voz 1: E o Verbo se fez carne,
Voz 2: E habitou entre nós.
Todos: Ave Maria...

Voz 1: Rogai por nós, Santa Mãe de Deus,
Todos: Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos. Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas para que, conhecendo, pelo anúncio do Anjo, a encarnação de vosso Filho Jesus Cristo, cheguemos por sua paixão e cruz à gloria da ressurreição. Pelo mesmo Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Todos: Amém.

Todos: Glória ao Pai...


- Concluir a celebração com a seguinte oração, feita por todos:

Oremos: Senhor Deus, nosso Pai, que enviastes vosso Filho ao mundo para ser nosso Salvador, nós vos louvamos e glorificamos pela vossa misericórdia. Neste Natal, acolhemos mais uma vez a sua vinda entre nós. Abençoai a nós e a todas as famílias; dai a paz ao mundo, consolai os que sofrem, reavivai nossa esperança e fazei de nós mensageiros e testemunhas do vosso amor para nossos irmãos. Pelo mesmo Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.

Canto final: Noite feliz


A Solenidade do Natal é dia santo de guarda, assim como o dia 1º de janeiro (Santa Maria, Mãe de Deus).

O Natal cristão inclui a participação na Missa; esta é a melhor acolhida e homenagem ao “Deus-que-vem” ao nosso encontro.

Os cristãos devem se preparar para uma boa confissão e participar de ações de solidariedade porque, neste tempo, o natal é uma boa notícia para todos, especialmente para quem sofre.

No Natal, Deus nos dá de presente seu Filho único; partilhemos esta alegria com todos, especialmente em família, com os doentes e os pobres.


Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer

domingo, 4 de dezembro de 2011

Primeira pregação do Advento de 2011 à Casa Pontifícia

P. Raniero Cantalamessa, ofmcap.
"Ide ao mundo inteiro"


Em resposta ao apelo do Sumo Pontífice de um renovado compromisso com a evangelização e em preparação para o Sínodo dos Bispos de 2012 sobre o mesmo assunto, me proponho a identificar, nestas meditações do Advento, quatro ondadas da nova evangelização na história da Igreja, ou seja, quatro momentos nos quais se testemunham uma aceleração ou uma retomada do compromisso missionário. São eles:

1. A expansão do cristianismo nos primeiros três séculos de vida, até a véspera do edito de Constantino, cujos protagonistas, em primeiro lugar, eram os profetas itinerantes e, depois, os bispos;

2. Os séculos VI-IX, em que assistimos à reevangelização da Europa após as invasões bárbaras, especialmente pela obra dos monges;

3. O século XVI com a descoberta e a conversão ao cristianismo dos povos do "novo mundo", especialmente pela obra dos frades;

4. A época atual que vê a Igreja envolvida numa reevangelização do Ocidente secularizado, com a participação determinante dos leigos.

Em cada um desses momentos tentarei destacar o que podemos aprender na Igreja de hoje: quais erros evitar e os exemplos a imitar e quais contribuições específicas que podem dar à evangelização os pastores, os monges, os religiosos de vida ativa e os leigos.

1. A difusão do cristianismo nos primeiros três séculos.

Hoje começamos com uma reflexão sobre a evangelização cristã nos primeiros três séculos. Principalmente um motivo faz deste período um modelo para todos os tempos. É o período no qual o cristianismo encontra o seu caminho exclusivamente por própria força. Não há nenhum "braço secular" que o apoie; as conversões não são determinadas pelas vantagens externas, materiais ou culturais; ser cristão  não é um costume ou uma moda, mas uma escolha contra a corrente, muitas vezes com risco de vida. Em alguns aspectos, a situação se voltou a criar hoje em diferentes partes do mundo.

A fé cristã nasce com uma abertura universal. Jesus tinha dito aos seus apóstolos para irem "ao mundo inteiro " (Mc 16, 15), para "fazerem discípulos a todas as nações" (Mt 28, 19), para serem testemunhas “até os confins da terra” (At 1, 8), para “pregarem a todos os povos a conversão e o perdão dos pecados” (Lc 24, 47).

A aplicação do princípio desta universalidade já acontece na geração apostólica, embora não sem dificuldade e lacerações. No dia de Pentecostes a primeira barreira é superada, a da raça (os três mil convertidos pertenciam a outros povos, mas eram todos crentes do judaísmo); na casa de Cornélio e no assim chamado concílio de Jerusalém, especialmente por impulso de Paulo, a barreira mais difícil de todas foi superada, aquela religiosa que separava os hebreus dos gentios. O evangelho tem, dessa forma, o mundo inteiro diante de si, ainda que por agora esse mundo seja limitado, no conhecimento dos homens, ao Mediterrâneo e às fronteiras do Império Romano.

Mais complexo é seguir a expansão de fato, ou geográfica, do cristianismo nos três primeiros séculos que, porém, é menos necessária para o nosso propósito. O estudo mais abrangente, e até agora insuperável a esse respeito é aquele de Adolph Harnack, "Missão e expansão do cristianismo nos primeiros três séculos"1.
Um aumento acentuado na atividade missionária da Igreja se realiza sob o imperador Commodo (180-192) e, em seguida, na segunda metade do século III, até às vésperas da grande perseguição de Diocleciano (302). Este, além das ocasionais perseguições locais, foi um período de relativa paz que permitiu à Igreja primitiva consolidar-se internamente e desenvolver um novo tipo de atividade missionária.

Vejamos em que consiste esta novidade. Nos dois primeiros séculos a propagação da fé foi confiada à iniciativa pessoal. Tratava-se dos profetas itinerantes, mencionados na Didaqué, que moviam-se de um lugar para outro; muitas conversões deveram-se a contatos pessoais, favorecidos pelos trabalhos comuns exercitados pelas viagens e pelas relações comerciais, pelo serviço militar e por outras circunstâncias da vida. Orígenes nos dá uma descrição comovente do zelo desses primeiros missionários:
"Os cristãos fazem todo o esforço possível para espalhar a fé por toda a terra. Para esse fim, alguns deles se propõem formalmente como tarefa das suas vidas o peregrinar não somente de cidade em cidade, mas também de município em município e de vilarejo em vilarejo para ganhar novos fiéis para o Senhor. Nem se passe pela cabeça, espero, que eles façam isso por lucro, pois até mesmo, muitas vezes se recusam a aceitar o que é necessário à vida"2.
Agora, na segunda metade do século III, estas iniciativas pessoais são cada vez mais coordenadas e em parte substituídas pela comunidade local. O bispo, até mesmo por reação aos efeitos de desintegração da heresia gnóstica, conquista a melhor sobre os mestres, como diretor da vida interna da comunidade e centro propulsor da sua atividade missionária. A comunidade é agora o sujeito evangelizador, a tal ponto que um erudito como Harnack, certamente não suspeito de simpatia pela instituição, possa afirmar: "Devemos ter por certo que a mera existência e a atividade constante das comunidades individuais foi o principal fator na propagação do cristianismo"3.

No final do terceiro século, a fé cristã penetrou praticamente todos os estratos da sociedade, já tem sua própria literatura em lingua grega e uma, embora no início, em lingua latina; possui uma sólida organização interna; começa a construir edifícios sempre mais amplos, sinal do aumento do número de fiéis. A grande perseguição de Diocleciano, além das muitas vítimas, não fez nada mais que destacar o fato de que a força da fé cristã já era irreprimível. A última luta de braço entre o Império e o cristianismo é testemunha disso. 

No fundo, Constantino não vai fazer nada mais do que tomar nota dessa nova relação de forças. Não será ele que vai impor o cristianismo para o povo, mas o povo que vai lhe impor o cristianismo. Afirmações como aquelas de Dan Brown no romance "O Código Da Vinci" e de outros propagadores, segundo os quais  foi Constantino, por razões pessoais, a transformar, com o seu edito de tolerância e com o concílio de Nicéia, uma obscura seita religiosa judaica na religião do império, são baseadas numa total ignorância dos fatos que precederam esses eventos.

2. As razões do sucesso

Um tema que sempre apaixonou os historiadores é aquele das razões do triunfo do cristianismo. Uma mensagem nascida em um canto obscuro e desprezado do Império, entre pessoas simples, sem cultura e sem poder, em menos de três séculos, se estende a todo o mundo então conhecido, subjugando a refinadíssima cultura dos gregos e o poder imperial de Roma!

Entre as diversas razões do sucesso, alguns insistem no amor cristão e no exercício ativo da caridade, até torná-lo "o fator mais importante e poderoso para o sucesso da fé cristã", de tal forma que induziria mais tarde o imperador Juliano o Apóstata, a fornecer o paganismo de semelhantes obras de caridade para combater este sucesso.4
Harnack, por outro lado, dá uma grande importância ao que ele chama de a natureza "sincretista" da fé cristã, ou seja, da capacidade de conciliar em si as tendências opostas e os diversos valores presentes nas religiões e na cultura do tempo. O cristianismo se apresenta ao mesmo tempo, como a religião do Espírito e do poder, que é acompanhada por sinais sobrenaturais, carismas e milagres, e como a religião da razão e do Logos integral, “a verdadeira filosofia”, nos dizeres de Justino Mártir. Os autores cristãos são "os racionalistas do sobrenatural", diz Harnack (5) citando as palavras do apóstolo Paulo sobre a fé como "tratamento racional" (Romanos 12,1).

Desta forma o cristianismo reúne em si, num perfeito equilíbrio, o que o filósofo Nietzsche define o elemento apolíneo e o elemento dionisíaco da religião grega, o Logos e o Pneuma, a ordem e o entusiasmo, a medida e o excesso. É isto que, pelo menos em parte, entendiam os Padres da Igreja com o tema da "sóbria embriaguez do Espírito".
"A religião cristã – escrevia Harnack no final da sua monumental pesquisa – , desde o início, apareceu com uma universalidade que a permitiu reivindicar para si toda a vida inteiramente, com todas as suas funções, as suas alturas e profundidades, sentimentos, pensamentos e ações. Foi esse espírito de universalidade que lhe garantiu a vitória. Foi isso que a levou a professar que o Jesus proclamado por ela era o Logos divino ... Assim se ilumina com nova luz e aparece quase uma necessidade, até mesmo aquela poderosa atração pela qual chegou a absorver e a submeter a si o helenismo. Tudo o que era de alguma forma capaz de vida entrou como elemento na sua construção ... E essa religião não deveria vencer?"6.
A impressão que se tem ao ler este resumo é que o sucesso do cristianismo é devido a uma combinação de fatores. Alguns foram tão longe na busca das causas deste sucesso que encontraram vinte motivos a favor da fé e muitos outros que estavam agindo na direção oposta, como se o êxito final dependesse da prevalência do primeiro sobre o segundo.

Agora eu gostaria de destacar o limite inerente a tal abordagem histórica, mesmo quando esta é feita por historiadores que tem fé como aqueles que até agora tenho tido em conta. O limite, devido ao mesmo método histórico, é de dar mais importância ao sujeito do que ao objeto da missão, mais aos evangelizadores e às condições em que ela ocorre, do que ao seu conteúdo.

A razão que me empurra a fazê-lo é que isso é também o limite e o perigo inerente a tantas abordagens atuais e mediáticas, quando se fala de uma nova evangelização. Esquece-se de uma coisa muito simples: que Jesus mesmo tinha dado, antecipadamente, uma explicação da difusão do seu Evangelho e é dessa que devemos começar toda vez que nos propomos um novo esforço missionário.

Escutemos mais uma vez duas breves parábolas evangélicas, aquela da semente que cresce também à noite e aquela da semente de mostarda.
“E dizia: ‘acontece com o Reino de Deus o mesmo que com o homem que lançou a semente na terra: ele dorme e acorda, de noite e de dia, mas a semente germina e cresce, sem que ele saiba como. A terra por si mesma produz fruto: primeiro a erva, depois a espiga e, por fim, a espiga cheia de grãos. Quando o fruto está no ponto, imediatamente se lhe lança a foice, porque a colheita chegou’.”(Mc 4, 26-30).
Esta parábola, por si só, diz-nos que a razão essencial para o sucesso da missão cristã não vem de fora mas de dentro, não é obra do semeador e nem sequer principalmente do solo, mas da semente. A semente não pode ser jogada por si só, no entanto, é automaticamente e por si mesma  que ela cresce. Depois de ter jogado a semente o semeador pode também ir dormir, a vida da semente já não depende dele. Quando esta semente é "a semente jogada na terra e morta", ou seja  Jesus Cristo, nada poderá impedir que essa "dê muitos frutos". Pode-se dar todas as explicações que você quiser desses frutos, mas estas permanecerão sempre na superfície, nunca captarão o essencial.

Quem captou com clareza a prioridade do objeto do anúncio sobre o sujeito é o apóstolo Paulo. "Eu plantei, Apolo regou, mas é Deus quem fazia crescer”. Estas palavras parecem ser um comentário sobre a parábola de Jesus. Não se trata de três operações com a mesma importância; de fato, o apóstolo acrescenta: " Assim, pois, aquele que planta, nada é: aquele que rega nada é; mas imorta somente Deus, que dá o crescimento”. (1 Cor 3, 6 -7). A mesma distância qualitativa entre o sujeito e o objeto do anúncio está presente em outra palavra do Apóstolo: "Mas nós temos este tesouro em vasos de barro, para que este grande poder seja atribuído a Deus e não a nós" ( 2 Cor 4,7). Tudo isso se traduz nas exclamações programáticas: "Nós não pregamos a nós mesmos, mas o Senhor Jesus Cristo!" e ainda "Nós pregamos Cristo crucificado".

Jesus pronunciou uma segunda parábola com base na imagem da semente que explica o sucesso da missão cristã e que dever ser tida em conta hoje, diante da imensa tarefa de reevangelizar o mundo secularizado.

“E dizia: ‘com que compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o apresentaremos? É como um grão de mostarda que, quando é semeado na terra – é a menor de todas as sementes da terra – mas, quando é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e deita grandes ramos, a tal ponto que as aves do céu se abrigam à sua sombra” (Mc 4, 30-32).

O ensinamento que Cristo nos dá com esta parábola é que o seu Evangelho e a sua mesma pessoa é a menor coisa que existe sobre a terra porque não há nada menor e mais fraco do que uma vida que termina numa morte de cruz. No entanto, esta minúscula "semente de mostarda" está destinada a se tornar uma grande árvore, de modo a acomodar em seus ramos todos os pássaros que vão refugiar-se ali. Isso significa que toda a criação, absolutamente toda irá ali encontrar refúgio.

Que contraste com as reconstruções históricas mencionadas acima! Tudo lá parecia incerto, aleatório, suspenso entre o sucesso e o fracasso; aqui tudo já foi decidido e garantido desde o começo! No final do episódio da unção de Betânia, Jesus pronunciou estas palavras: "Em verdade vos digo que, onde quer que este Evangelho seja anunciado, em todo o mundo, em memória dela se dirá também o que ela fez" (Mateus 26,13 ). A mesma consciência tranquila de que um dia sua mensagem seria anunciada “a todo o mundo”. E certamente não é uma profecia "post eventum", porque naquele momento, tudo pressagiava o oposto.

Até mesmo nisso quem melhor captou "o mistério escondido" foi Paulo. Me impressiona sempre um fato. O Apóstolo pregou no Areópago de Atenas e assistiu a uma rejeição da mensagem, educadamente expressada com a promessa de ouvi-lo em outra ocasião. De Corinto, onde ele foi logo depois, escreveu a Carta aos Romanos, onde afirma ter recebido a tarefa de conduzir "à obediência da fé todas as nações " (Rm 1, 5-6). O insucesso não avariou minimamente a sua confiança na mensagem: "Eu não me envergonho - grita - do evangelho, porque é potência de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu, primeiro, como do grego" (Rom 1, 16 ). Apóstolo Paulo, dá-nos um pouco "desta tua fé e desta tua coragem e não nos desanimaremos diante da tarefa sobre-humana que está diante de nós!

"Toda árvore, diz Jesus, é reconhecida pelos seus frutos" (Lc 6, 44). Isto é verdade para toda árvore, exceto para a árvore nascida dele, o cristianismo (e de fato ele está falando aqui dos homens); essa única árvore não é conhecida pelo fruto, mas a partir da semente e da raiz. No cristianismo a plenitude não está no fim, como na dialética hegeliana do devir (“o verdadeiro é o inteiro”), mas está no princípio; nenhum fruto, nem mesmo os maiores santos, acrescentam algo à perfeição do modelo. Neste sentido tem razão quem afirmou que “o cristianismo não é perfectível”7.

3. Semear e... ir dormir

Aquilo que os historiados das origens cristãs não registraram ou dão pouca importância é a certeza inabalável que os cristãos da época, pelo menos os melhores deles, tinham sobre a bondade e a vitória final da sua causa. "Vocês podem nos matar, mas não nos podem prejudicar", dizia Justino Mártir ao juiz romano que o condenava à morte. No final foi essa tranquila certeza que lhes garantiu a vitória e convenceu as autoridades políticas da inutilidade dos esforços para suprimir a fé cristã.

É isso o que mais nos acontece hoje: despertar nos cristãos, pelo menos naqueles que pretendem se dedicar ao trabalho da reevangelização, a certeza íntima da verdade do que anunciamos. "A Igreja, Paulo VI disse certa vez, precisa recuperar o desejo, o prazer e a certeza da sua verdade"8. Devemos acreditar, primeiramente nós, em tudo o que anunciamos; mas acreditar realmente, "com todo o coração, com toda a alma,  com toda a mente". Temos de ser capazes de dizer com Paulo: "Animados pelo mesmo espírito de fé, como está escrito: Eu acreditei, portanto, eu falei, nós também acreditamos e, portanto, falamos" (2 Coríntios 4, 13).

A tarefa prática que as duas parábolas de Jesus nos designam é semear. Semear com mãos cheias, “no momento adequado e inadequado" (2 Tm 4, 2). O semeador da  parábola que sai para semear não se preocupa com o fato de que algumas sementes acabem na rua e entre os espinhos, e pensar que aquele semeador, fora da metáfora, é ele mesmo, Jesus! A razão é que, neste caso, não se pode saber com antecedência qual terreno se revelará bom, ou duro como o asfalto e sufocante como um arbusto. Há no meio a liberdade humana que o homem não pode prever, e Deus não quer violar. Quantas vezes entre as pessoas que ouviram algum sermão ou leram um determinado livro, verifica-se que quem o tomou mais a sério e teve a vida mudada era a pessoa que menos se esperava, alguém que estava ali por acaso, ou até mesmo relutante. Eu mesmo poderia contar dezenas de casos.

Semear então e depois... ir dormir! Ou seja, semear e depois não estar lá o tempo todo olhando, quando brota, onde brota, quantos centímetros está crescendo diariamente. A germinação e o crescimento não é nosso negócio, mas de Deus e do ouvinte. Um grande humorista Inglês do século XIX, Jerome Klapka Jerome, disse que a melhor maneira de fazer demorar a ebulição da água numa panela é aquela de estar de olho nela e esperar com impaciência.

Fazer o contrário é fonte inevitável de ansiedade e de impaciência: coisas que Jesus não gosta e que ele nunca fez quando esteve na terra. No Evangelho, ele nunca parece ter pressa. "Não andem ansiosos pelo amanhã, dizia aos seus discípulos, porque o amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus 6, 34).

Neste sentido, o poeta cristão Charles Péguy põe na boca de Deus palavras que são boas para meditarmos:
"Disseram-me que há homens
Que trabalham bem e dormem mal.
Que não dormem. Que tem falta de confiança em mim.
É quase pior do que
se não trabalhassem mas dormissem, porque a preguiça
Não é pecado maior do que a ansiedade ...
Não falo, diz Deus, daqueles homens
que não trabalham e não dormem.
Esses são pecadores, é claro ...
Falo daqueles que trabalham e não dormem ...
Tenho pena deles. Eles não confiam em mim ...
Governam muito bem seus assuntos durante o dia.
Mas não querem confiar-me o governo durante a noite...
Quem não dorme é infiel à Esperança... "9.
As reflexões realizadas nesta meditação nos levam, em conclusão, a colocar na base do esforço para uma nova evangelização um grande ato de fé e de esperança para sacudir de cima qualquer sentimento de impotência e resignação. Temos diante de nós, é verdade, um mundo fechado no secularismo, inebriado pelos sucessos da técnica e das possibilidades oferecidas pela ciência, refratário ao anúncio do Evangelho. Mas era talvez menos confiante em si e menos refratário ao evangelho o mundo no qual viviam os primeiros cristãos, os gregos com a sua sabedoria e o Império Romano com o seu poder?

Se houver algo que possamos fazer, depois de ter "semeado", é "irrigar", com a oração, a semente lançada. Por isso terminemos com a oração que a liturgia nos faz recitar na Missa "para a evangelização dos povos":

Ó Deus, tu queres que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade; olha quão grande é a tua messe e manda operários, para que seja anunciado o Evangelho à toda criatura, e o teu povo, reunido pela palavra de vida e moldado pela força dos sacramentos, prossiga no caminho da salvação e do amor. Por Cristo nosso Senhor. Amém.

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1 A. von Harnack,….
2 Origene, C. Cels. III, 9.
3 Op. cit. p. 321- s.
4 H. Chadwick, The early Church, Penguin Books 1967, pp. 56-58.
5 A. von Harnack, Missione e propagazione del cristianesimo nei primi tre secoli, Rist. anast., Cosenza 1986, p. 173.
6 Harnack, op. cit., p. 370.
7 S.Kierkegaard, Diario, X5 A 98 (ed. C. Fabro, Brescia II, 1963, pp.386 ss).
8 Discorso all’udienza generale del 29 Novembre 1972 (Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, X, pp. 1210s.).
9 Ch. Péguy, Il portico del mistero della seconda virtù, Jaca Book, Milano 1978, pp. 120 s.