PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Castel Gandolfo
Quarta-feira, 8 de Agosto de 2012
Quarta-feira, 8 de Agosto de 2012
Hoje a Igreja celebra a memória de são Domingos de Gusmão, Sacerdote e Fundador da Ordem dos Pregadores, chamados Dominicanos. São Domingos foi um homem de oração. Apaixonado por Deus, só teve aspiração pela salvação das almas, em particular daquelas que caíam nas redes das heresias da sua época; imitador de Cristo, encarnou radicalmente os três conselhos evangélicos, unindo à proclamação da Palavra o testemunho de uma vida pobre; sob a guia do Espírito Santo, progrediu no caminho da perfeição cristã. Em todos os momentos, a oração foi a força que renovou e tornou sempre fecundas as suas obras apostólicas.
Não deixou escritos sobre a oração, mas a tradição dominicana reuniu e transmitiu a sua experiência viva numa obra intitulada: Os nove modos de rezar de são Domingos. Este livro foi composto entre 1260 e 1288 por um padre dominicano; ele ajuda-nos a entender algo da vida interior do Santo e também a nós, com todas as diferenças, a aprender como rezar.
Portanto, são nove os modos de rezar segundo são Domingos e cada um deles, que recitava sempre diante de Jesus Crucificado, exprime uma atitude corporal e uma espiritual que, intimamente compenetradas, favorecem o recolhimento e o fervor. Os sete primeiros modos seguem uma linha ascendente, como passos de um caminho, rumo à comunhão com Deus, com a Trindade: são Domingos reza em pé; inclinado para expressar a humildade; estendido no chão para pedir perdão pelos próprios pecados; de joelhos, fazendo penitência para participar nos sofrimentos do Senhor; com os braços abertos fixando o Crucificado a fim de contemplar o Amor Supremo; com os olhos dirigidos ao céu, sentindo-se atraído pelo mundo de Deus. Portanto, são três formas: em pé, de joelhos, estendido no chão; mas sempre com o olhar dirigido para o Senhor Crucificado. Os dois últimos modos, sobre os quais gostaria de refletir brevemente, correspondem a duas práticas de piedade habitualmente vividas pelo Santo. Antes de tudo, a meditação pessoal, na qual a oração adquire uma dimensão ainda mais íntima, fervorosa e reconfortante. No final da recitação da Liturgia das Horas, e depois da celebração da Missa, são Domingos prolongava o diálogo com Deus, sem por limites ao tempo. Sentado tranquilamente, recolhia-se em atitude de escuta, lendo um livro ou fixando o Crucificado. Vivia estes momentos de relação com Deus de modo tão intenso que até exteriormente se podiam notar as suas reações de alegria ou de pranto. Portanto, assimilou em si, meditando, as realidades da fé. As testemunhas narram que, às vezes, entrava numa espécie de êxtase, com o rosto transfigurado, mas imediatamente depois retomava humildemente as suas atividades diárias revigorado pela força que vem do Alto. Também a oração durante as viagens de um convento para outro; recitava as Laudes, a Hora Média, as Vésperas com os companheiros e, atravessando os vales ou as colinas, contemplava a beleza da criação. Então, do seu coração brotava um cântico de louvor e de ação de graças a Deus por tantos dons, sobretudo pela maior maravilha: a redenção realizada por Cristo.
Queridos amigos, São Domingos recorda-nos que na origem do testemunho da fé, que cada cristão deve dar em família, no trabalho, no compromisso social e também nos momentos de distensão, estão a oração, o contacto pessoal com Deus; só esta relação real com Deus nos dá a força para viver intensamente cada evento, em particular os momentos mais difíceis. Este Santo recorda-nos também a importância das atitudes exteriores na nossa oração. O ajoelhar-se, o ficar em pé diante do Senhor, o olhar fixado no Crucificado, o deter-se e recolher-se em silêncio não são secundários, mas ajudam-nos a colocar-nos interiormente, com todo o nosso ser, em relação com Deus. Gostaria de lembrar mais uma vez a necessidade para a nossa vida espiritual de encontrar diariamente momentos para rezar com tranquilidade; devemos procurar este tempo, especialmente nas férias, deixar um espaço para falar com Deus. Será um modo também para ajudar quem nos está próximo a entrar no raio luminoso da presença de Deus, que traz a paz e o amor dos quais todos temos necessidade. Obrigado!
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OS NOVE MODOS DE ORAR
DE SÃO DOMINGOS
fr. João da Cruz, op (séc. XVI), Crónica de la Orden de Predicadores (Lisboa,
1567)
Primeiro modo
Muitas vezes, segundo alguns
religiosos que o viram, colocava-se diante de um altar, inclinando não só a
cabeça mas meio corpo, com tanto respeito como se estivesse na presença do
Senhor, que o altar representava na sua alma. Entendendo ainda desta humilhação
corporal o que diz Salomão: “a oração do que se humilha penetra os céus”, e
trazendo à memória a humildade do Filho de Deus, por nós crucificado.
Segundo modo
Outras vezes deitava todo o corpo
por terra, rebaixando-se e depreciando-se, como se não fosse digno de estar de
pé. Imitando o exemplo dos santos Reis que assim prostrados adoraram o Menino
Jesus. E lembrando-se que o próprio Senhor, perto da sua paixão, com a face por
terra, rezou ao Pai no horto. E então, dizia as palavras daquele humilde
publicano, que não ousava levantar os olhos ao alto: “Deus, tem misericórdia de
mim, pecador”, e o que o profeta David escreve: “A minha alma está prostrada no
pó da terra, e o meu coração e as minhas entranhas coladas à terra”.
Terceiro modo
Outras vezes fazia oração em pé,
levantado e direito, em especial quando se disciplinava. E então dizia: “A
vossa disciplina, Senhor, me castigou, e a vossa disciplina me ensinará”.
Quarto modo
Outras vezes, rezava de joelhos e
dizia as palavras do leproso que, nessa posição, pediu a cura ao nosso
Redentor: “Senhor, se quiserdes podeis curar-me”. E as que disse Santo Estêvão,
quando, enquanto lhe atiravam pedras se colocou de joelhos e disse: “Senhor,
recebe o meu espírito”. E, depois disto, clamava tão alto, que os frades
ouviam. E dizia fortemente o mesmo que David: “A ti, Senhor eu clamo, não te
cales nem deixes de me responder”. E dito isto, descansava assim, de joelhos. E
já não se ouvia a sua voz, mas dentro do seu coração falava para si, movendo os
lábios, como a mãe de Samuel. E algumas vezes, levantava os olhos e o rosto,
como se quisesse subir ao céu, e subitamente se alegrava e limpava as suas
lágrimas que lhe corriam dos olhos. Outras vezes levantava-se e voltava a
ajoelhar-se, e isto repetia muitas vezes.
Quinto modo
Outras vezes estava em pé e
direito, diante do altar, sem se encostar a alguma coisa. E tinha as suas mãos
abertas, diante do peito, somo se estivesse lendo algum livro com grande
atenção e reverência, e parecia que dentro de si meditava as palavras de Deus e
que entendia os mistérios da divina escritura. E algumas vezes tinha os ouvidos
atentos, como para ouvir e entender o que lhe diziam, punha as mãos sobre os
seus olhos e apertava-os fortemente. Outras vezes levantava as mãos até aos ombros,
abertas como as coloca o sacerdote quando diz Missa.
Sexto modo
Outras vezes rezava em pé, de
braços estendidos em modo de cruz, e algumas vezes via-se o seu corpo levantado
da terra. E chorava fortemente, lembrando-se de quando o nosso Redentor esteve
levantado na cruz, preso por três cravos, pedindo ao Pai por nós, com muitas
lágrimas, como diz o Apóstolo. E dizia com David: “A ti, Senhor, eu clamo,
durante o dia estendo a ti a minhas mãos”.
Sétimo modo
Outras vezes rezava em pé, com os
braços estendidos ao alto e as mãos juntas acima da cabeça, como se fossem uma
seta, e algumas vezes as abria como se estivesse a receber alguma coisa que lhe
enviavam do alto. E dizia como o salmista: “Ouve o grito das minhas súplicas
quando te invoco, quando ergo as minhas mãos para o teu santuário”. E então,
segundo parecia aos frades, pedia e alcançava de Deus os favores e mercês para
a sua Ordem. Mas não demorava muito neste modo de orar, que frequentemente se
arrebatava e saía fora de si, mas logo voltava a si como se voltasse de novo ao
mundo, ou como quem vinha de um longo caminho.
Oitavo modo
Outras vezes rezava desta
maneira. Acabando de ler ou ouvir alguma santa lição, afastava-se para um lugar
secreto e meditava no que tinha lido e escutado. E viam-no como se estivesse
pregando e disputando com algum companheiro. Umas vezes como se estivesse irado
consigo mesmo, outras, risonho e contente, outras, choroso; outras vezes,
quieto e descansado, e então ouviam-no dizer o que o profeta dizia: “prestarei
atenção ao que me diz o Senhor Deus”.
E era seu costume, antes da
oração, ler alguma coisa santa e, acabando de ler, fechava o livro e
prestava-lhe reverência, inclinando-se diante dele e beijava-o, sobretudo se
eram os Evangelhos. E algumas vezes, acabando de ler, colocava a sua fronte
sobre as suas mãos e cobria a cabeça com o escapulário.
Nono modo
Outras vezes rezava caminhando
(como dissemos acima) e dizia para si ou ao companheiro o que escreve o profeta
Oseias: “vou levá-la a um lugar deserto e falar-lhe ao coração”. E quando
ficava sozinho adiantando-se ou ficando para trás, fazia muitas vezes sobre si
o sinal da cruz, e mexia muitas vezes a mão, levantada diante do seu rosto,
como quem sacode de si mosquitos ou quem enxota moscas.
Estas nove maneiras de orar usava
o bem-aventurado Padre, quando e onde o encaminhava o Espírito Santo, como
aqueles santos animais que viu o profeta Ezequiel. E quem duvida que
admoestaria com poderosas razões aos seus frades a que fizessem o mesmo.
E como se diz da águia, que voa
diante dos seus filhos para os incitar a que eles voem, assim o santo varão se
coloca como exemplo aos seus súbditos para que rezassem, e para que na sua
Ordem perseverasse este santo exercício importantíssimo para conservação
de toda a virtude.
Tradução: fr. Filipe, op
Revisão: Maria Torres
Fontes:
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